Um marco histórico foi estabelecido quando organizações indígenas de nove países da região amazônica uniram forças para formar uma aliança única, conhecida como “G9 da Amazônia Indígena”. Este novo grupo foi oficialmente apresentado no último sábado (26/10) em Cali, Colômbia, durante a Conferência das Partes (COP16) da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade.
A proposta do G9 da Amazônia Indígena é atuar como uma coalizão que busca coordenar ações e fortalecer as demandas comuns dos povos indígenas que habitam a região da maior floresta tropical do planeta. Estão incluídas nesta nova estrutura política as seguintes organizações:
- Confederación de Naciones y Pueblos Indígenas del Chaco, Oriente y Amazonía de Bolivia (CIDOB, Bolívia)
- Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB, Brasil)
- Organización Nacional de los Pueblos Indígenas de la Amazonía Colombiana (OPIAC, Colômbia)
- Confederación de Nacionalidades Indígenas de la Amazonía Ecuatoriana (CONFENIAE, Equador)
- Asociación de Pueblos Ameríndios de Guyana (APA, Guiana)
- Federación de Organizaciones Amerindias de Guyana Francesa (FOAG, Guiana Francesa)
- Asociación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana (AIDESEP, Peru)
- Organización de los Pueblos Indígenas de Surinam (OIS, Suriname)
- Organización Regional de Pueblos Indígenas de Amazonas (ORPIA, Venezuela)
O G9 é estruturado de maneira horizontal, o que significa que não haverá, em um primeiro momento, grupos de liderança, sede ou processos eleitorais. Todas as organizações participantes terão igualdade nas decisões, que serão tomadas por consenso.
Reivindicações e Autoridade Moral
Uma das principais reivindicações das comunidades da Pan-Amazônia é que os governos globais reconheçam os povos tradicionais como as principais autoridades morais em questões envolvendo conservação ambiental e proteção da biodiversidade e do clima. Essa reivindicação fundamenta-se na falha governo de aumentar seus compromissos frente à crise climática e ambiental, enquanto os povos indígenas efetivamente atuaram para proteger a natureza e servem como os melhores gestores territoriais do planeta, mesmo sem o financiamento adequado e com participação insuficiente nas negociações internacionais.
Os conhecimentos tradicionais e o compromisso dos povos indígenas são aspectos que têm contribuído para a redução da expansão da exploração de combustíveis fósseis e a perda de vegetação e de espécies, ações essenciais para a mitigação da crise climática. Estudos científicos evidenciam que os povos indígenas possuem um papel crucial na preservação da Amazônia, onde seus territórios agem como barreiras contra a destruição ambiental.
Cerca de 80% da floresta amazônica, que é considerada um dos maiores sumidouros de carbono do planeta e uma das regiões mais ricas em diversidade, permanece preservada em grande parte devido à atuação dos povos indígenas. Contudo, essas comunidades continuam enfrentando perseguições e tentativas de silenciamento, além de serem extremamente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como secas severas e temperaturas fora do padrão, que afetam seus rios, atividades de pesca e caça, além de afetar sua cultura tradicional.
As organizações participantes buscam aumentar a pressão sobre os governos locais para que garantam os direitos dos povos indígenas e protejam seus territórios. Entre as principais áreas de foco do G9 destacam-se a conservação da biodiversidade, os direitos territoriais, o financiamento direto a iniciativas indígenas, a proteção dos povos indígenas em isolamento voluntário e a promoção da unidade entre os movimentos indígenas na Amazônia.
Sob a bandeira da conservação da biodiversidade, o G9 buscará assegurar que políticas e decisões globais respeitem os direitos territoriais dos povos indígenas e reconheçam seu papel fundamental na proteção do meio ambiente. No que diz respeito aos direitos territoriais, a coalizão vai apoiar a segurança jurídica dos territórios indígenas e buscar de titulações e demarcações, além de contar com mecanismos legais que resguardem a propriedade coletiva.
Além disso, a coalizão pleiteará a implementação de mecanismos que garantam financiamento direto às comunidades indígenas, permitindo que elas gerenciem seus próprios recursos e desenvolvam projetos sustentáveis de acordo com seu conhecimento e governança. A proteção aos povos indígenas isolados e em contato inicial é uma outra prioridade, buscando assegurar o respeito ao princípio de “não contato” e a efetiva proteção dos direitos dessas populações.
No mesmo dia do lançamento do G9, diversas lideranças indígenas do Brasil apresentaram uma declaração coletiva em direção à COP30, que acontecerá em Belém em 2025, onde demandaram ao governo brasileiro sua co-presidência na COP16 e a suspensão de atividades de exploração de petróleo e gás na Amazônia brasileira. Nesse comunicado, os povos indígenas enfatizam que não aceitam projetos que sejam prejudiciais a suas vidas e territórios, afirmando que “não há como se garantir a biodiversidade e a segurança dos territórios indígenas em um mundo em crise”.
Essas organizações também fazem um apelo poderoso aos governos do mundo, especialmente ao brasileiro, para que imitem a ação do governo colombiano, que suspendeu a concessão de novas explorações de petróleo e gás e reconheceu oficialmente os povos indígenas como autoridades ambientais, garantindo-lhes participação nas decisões sobre essas questões.
Os líderes indígenas ressaltam que a crise climática e ambiental também reflete uma crise de liderança e valores e declaram que não se submeterão a discussões vazias que não resultem em ações efetivas. Eles exigem a retomada imediata das demarcações de terras indígenas e o financiamento direto de iniciativas climáticas e de biodiversidade lideradas por esses povos. Relacionando-se à COP30, as comunidades pedem para que suas vozes sejam ouvidas em discussões que impactam diretamente suas vidas e territórios, sendo a convenção realizada em uma região que é predominantemente indígena.
Ao final, a declaração coletiva conclama todos a se unirem na luta pela preservação da vida no planeta.
“Convocamos todos os povos indígenas, parceiros, aliados e todos que se importam com a vida na Terra a se juntarem ao nosso chamado para, juntos, salvar o céu. Se depender de nós, o céu não irá desabar.”