Terras indígenas como tema climático na COP30

Demarcação indígena como pauta climática na COP30

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Demarcação indígena como pauta climática na COP30

Reunião da Coiab com presidente da COP30, André Lago
Coiab e presidente da COP30, André Lago, após reunião em fevereiro deste ano. Foto: Divulgação/Coiab

Os povos indígenas da Amazônia têm se engajado em uma mobilização para que a demarcação de terras seja considerada uma das prioridades da política climática brasileira. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que engloba 180 nações de nove estados amazônicos, está desenvolvendo um plano estratégico com foco na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), programada para ocorrer em novembro, no Pará.

A meta central é garantir que o papel das comunidades tradicionais no combate às mudanças climáticas seja reconhecido. A proposta consiste em que o Brasil estabeleça um número específico de terras indígenas a serem demarcadas até 2035, a ser incorporado na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) — um documento que os países participantes do Acordo de Paris apresentam, detalhando suas contribuições para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

No último ano, o país atualizou sua NDC, comprometendo-se a reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035. Contudo, ainda há espaço para incluir detalhes sobre como esse objetivo será alcançado. Portanto, as entidades indígenas estão se mobilizando para contribuir com o documento.

Desmatamento na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau
Um dos casos mais escandalosos está na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, cujo aumento do desmatamento nos últimos anos tem sido seguido pelo avanço de pastagens no território. | Foto: © Marizilda Cruppe / Greenpeace

A Coiab já conquistou um papel relevante na COP30: será membro do Círculo de Liderança Indígena. Este grupo, anunciado em março pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago, será formado por representantes técnicos que terão a função de asesorar os negociadores brasileiros durante a conferência. Essa decisão reflete uma trajetória semelhante à da COP16 da Biodiversidade, a qual estabeleceu um órgão consultivo para reforçar a relevância das terras tradicionais nas discussões.

Embora a Coiab ainda não tenha nomeado seus representantes no Círculo, é por meio desse espaço que a organização visa levar sua proposta de demarcação de terras. O Caucus Indígena, um fórum que agrega indígenas de todo o mundo para discutir questões relacionadas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), também deverá contar com a participação de seus membros.

Por outro lado, o governo brasileiro não incluiu as comunidades quilombolas no Círculo de Liderança. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) emitiu uma carta denunciando a “invisibilidade climática” que essas comunidades enfrentam.

“As comunidades afrodescendentes e quilombolas no Brasil têm enfrentado uma longa jornada de exclusão e invisibilidade. Apesar de serem guardiãs de saberes antigos sobre a conservação ambiental, suas vozes são raramente ouvidas nas discussões que tratam de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente”, ressaltou a organização.

Demarcar para reduzir emissões

Estudos indicam que onde há terras indígenas devidamente demarcadas, a preservação das florestas é maior, resultando em menos emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera. Esse é um dos principais argumentos dos indígenas ao pleitearem que a demarcação de seus territórios seja transformada em uma meta na COP30. Desde o início do atual governo Lula (PT), em 2023, foram homologadas 13 terras indígenas no Brasil, enquanto outras 263 estão em processo de discussão, conforme dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Líderes indígenas durante a COP 29
Manifestação de Líderes indígenas durante encontro da COP 29 sobre Mudanças Climáticas da ONU. | Foto: Habib Samadov

“Está comprovado que as terras indígenas são os locais que menos desmataram e que conseguem aprisionar uma quantidade significativa de carbono, evitando sua liberação na atmosfera. Portanto, se as terras indígenas podem oferecer tudo isso, por que não integrá-las à política climática, uma responsabilidade pública dos países?”, questiona Toya Manchineri, coordenador executivo da Coiab.

A proposta é debatida em conjunto com outras oito organizações da região amazônica, coletivamente chamadas de “G9 da Amazônia Indígena”, que representa os interesses da Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Esse grupo promove a campanha “A resposta somos nós” para inserir essa meta na agenda de seus países durante a COP30 em Belém.

Plantação de soja versus terra indígena
Contraste entre uma plantação de soja e terra indígena. Foto: Kamikia Kisedje

“Nossas economias são sustentáveis e não geram danos ao meio ambiente. Temos convivido de maneira respeitosa com nosso entorno. Se de fato temos um compromisso com a demarcação dos territórios e o fortalecimento das políticas indígenas no Brasil, poderemos sair da COP30 com um legado”, destaca Alana Manchineri, coordenadora da agenda climática da Coiab.

A mobilização ocorre em um período crítico para as políticas territoriais indígenas no Brasil. Desde 2023, têm sido debatidas mudanças no marco temporal, que altera o texto da Constituição que assegura aos povos indígenas o direito às terras que tradicionalmente ocupam. A proposta atual é que somente os territórios ocupados desde 1988, ano da promulgação da Constituição Federal, sejam garantidos.

Essa tese está sendo discutida pelo Superior Tribunal Federal (STF), que mantém uma Câmara de Conciliação para definir um novo texto, ao passo que o movimento indígena recusou-se a participar. Recentemente, a InfoAmazonia relatou que o ministro Gilmar Mendes utilizou o espaço da câmara para sugerir a exploração de minerais em terras indígenas, algo que é vedado pela Constituição, mas depois se retractou.

Insistências e compromissos

A campanha da Coiab para assegurar a presença indígena na conferência climática da ONU, que deve congregar quase 200 líderes mundiais em Belém, teve início ainda no ano passado, durante a COP29. Na ocasião, a Coiab fez um pedido de copresidência para a COP30 e desde então vem fazendo lobby para que cientistas indígenas sejam parte integrante das decisões como autoridades climáticas.

Indígenas promovem a campanha ‘A resposta somos nós’
Indígenas pedem o fim da exploração por petróleo nas terras indígenas da Amazônia. Foto: Tukumã Pataxó/Apib

Além da demarcação das terras, outro foco importante será a atuação em discussões sobre financiamento climático e transição energética. Os indígenas têm a intenção de colaborar com a elaboração do Balanço Ético Global sobre o Clima, uma iniciativa do presidente Lula para criar um documento de avaliação das ações climáticas realizadas pelos países sob a ótica da sociedade civil. Esse documento complementará o Balanço Global do Acordo de Paris, que foi apresentado na COP28, em 2023.

Povos planejam a ‘COP Indígena’

Para ter uma presença marcante nos debates da COP30, os indígenas precisam estar em Belém durante a conferência. À medida que se aproxima o evento, que ocorrerá em oito meses, as organizações enfrentam desafios financeiros significativos. Toya destaca que, para reunir cerca de 5 mil indígenas na cidade, o orçamento necessário gira em torno de R$ 3 milhões para acomodação.

É imperativo ter um espaço físico na cidade para viabilizar a “COP Indígena”, paralela à COP30, que servirá como um local de debate e de informação em tempo real sobre as decisões governamentais.

“Se conseguirmos 150 credenciais para a Amazônia, ficaremos complacentes, pois a concorrência por essas credenciais é forte. No entanto, a expectativa é de que um grande número de parentes esteja em Belém. Portanto, é crucial ter uma estratégia para reunir essa ampla gama de lideranças em um único local”, explica Toya Manchineri.

A campanha “A resposta somos nós” será o tema central da COP Indígena. A organização também está preparando uma pré-COP Indígena, programada para ocorrer durante a Conferência de Mudanças Climáticas de Bonn, que é realizada anualmente em junho, na Alemanha, para preparar a COP.

“As negociações começam lá em Bonn e queremos interferir para que nossos interesses sejam considerados tanto nos documentos oficiais do Brasil quanto dos países da bacia amazônica”, complementa Toya.

Campanha ‘A resposta somos nós’ lançada no G20
Povos indígenas brasileiros lançam a campanha ‘A Resposta Somos Nós’ no G20. Foto: Apib

Além das propostas positivas, as organizações indígenas planejam reforçar sua oposição à exploração de combustíveis fósseis. O presidente Lula fez declarações em apoio à exploração de petróleo na Foz do Amazonas, considerando-a uma etapa necessária para a transição energética do país.

Coiab na Semana do Clima em Nova Iorque
Coiab presente em reunião durante a Semana do Clima, em Nova Iorque. Foto: Isaka Hunikui/ Coiab

Porém, os povos indígenas são firmemente contrários a essa exploração. “Sabemos que a discussão não levará a um consenso com o governo brasileiro. Para nós, é inconcebível fortalecer acordos climáticos ao mesmo tempo em que nosso território é leiloado para exploração de petróleo”, afirma Alana Manchineri.

Formação de líderes

A Coiab desenvolve um plano de ação a ser executado até 2026, que abrange temas críticos para as comunidades indígenas, incluindo “justiça e segurança climática”. Todas as organizações de base se comprometerão a monitorar seus territórios para entender melhor os impactos de eventos extremos, invasões e ameaças. A organização também espera participar de eventos internacionais e criar canais de denúncia para projetos de carbono que não estejam em conformidade com as necessidades das comunidades.

Com essa finalidade, os indígenas estão investindo em capacitação intensificada. Desde fevereiro, 40 líderes têm se reunido semanalmente para estudar e compartilhar conhecimentos no Curso de Formação Estratégica para Lideranças Indígenas, que acontece presencialmente em Manaus. O curso é dividido em módulos que abordam diversos temas sociais e políticos, como o sistema jurisdicional REDD+, mercado de carbono, governança e emergência climática.

Museu das Culturas Indígenas
O direito dos povos indígenas à terra está previsto no artigo 231 da Constituição Federal de 1988. | Foto: Gabie Pereira/Acervo MCI

Todos os participantes devem desenvolver um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre um tema de escolha pessoal. O trabalho será apresentado pelas diferentes lideranças aos membros das comunidades que representam.

Wendel Apurinã, do povo Apurinã, que coordena a Organização da Juventude Indígena de Lábrea do Médio Rio Purus (OjilMRP), escolherá examinar as consequências dos eventos climáticos na segurança alimentar das populações do Médio Rio Purus, no Amazonas.

“Nossas aldeias já enfrentam uma grave insegurança alimentar devido à expansão do agronegócio, ao desmatamento acelerado e aos incêndios. Além disso, também estamos sofrendo as consequências das mudanças climáticas. No ano passado, o Purus passou pela pior seca de sua história”, relata Wendel.

Em 2024, as terras indígenas sofreram uma seca histórica. De acordo com um relatório da InfoAmazonia, 92% dos territórios enfrentaram seca em julho, segundo dados do Índice Integrado de Seca (IIS), do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Terras indígenas e condições climáticas
Edgar Kanaykõ, Nosso Marco é Ancestral, 2023

“As embarcações de médio porte ficaram impossibilitadas de navegar. Este ano, as previsões indicam que a alagação será ainda mais intensa do que imaginei. As plantações não crescem e os lagos se seco. E então, como ficamos com a questão da alimentação?”, questiona Wendel.

Os Apurinã vivem em quatro terras indígenas localizadas no sul do Amazonas: Caititu, Capicua, Torá e Paumari do Lago Marahã, além de estarem próximos à Terra Indígena Mamoriá Grande, que abriga um grupo de indígenas isolados.

Wendel busca destacar que os ataques deixam o território vulnerável e que eventos extremos complicam ainda mais a situação já existente. “Com o desmatamento, os animais de caça se afastam e as queimadas forçam nossos animais a evacuar. Existe uma porção da Mamoriá Grande que nunca havia sido afetada, e agora, por incrível que pareça, aquela área de terra virgem está queimando em longas extensões”, lamenta.

Fonte: Guia Região dos Lagos

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