O impacto positivo da natureza no bem-estar humano
A conexão com a natureza é frequentemente associada ao aumento do bem-estar e à melhoria da qualidade de vida, especialmente em ambientes urbanos. Porém, há evidências que sustentam essa percepção? Um estudo divulgado na Revista Brasileira de Ecoturismo, conduzido por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, afirma que sim. Os cientistas revisaram diversas pesquisas para investigar a questão: “Observar a natureza pode aumentar o bem-estar das pessoas?”, compilando artigos científicos de várias partes do mundo. A análise destacou os impactos benéficos da observação da natureza na saúde mental e física, o que também pode impulsionar o desenvolvimento de novas políticas e oportunidades no ecoturismo.
“Estamos analisando cada vez mais como as áreas verdes podem adquirir um valor mais evidente para a sociedade. Isso, de certa forma, influencia muito o modo como alocamos recursos para esses espaços”, observa uma das pesquisadoras envolvidas no estudo. Ela destaca a diversidade biológica do Brasil, mas menciona que a escassez de trabalhos que abordem esse tema no país motivou a realização da pesquisa.
A investigação também se relaciona ao crescimento de problemas de saúde mental e física, especialmente em pessoas que residem em grandes centros urbanos. Outro membro da equipe de pesquisa ressalta que estudos anteriores já indicam a falta de interação com a natureza como um fator que agrava a deterioração da saúde pública.
Os pesquisadores utilizaram um banco de dados contendo 211 estudos sobre áreas verdes e o bem-estar humano. No entanto, a seleção foi feita apenas entre aqueles que focavam nas interações entre seres humanos e meio ambiente, incluindo tanto a observação quanto atividades como caminhadas. Essa abordagem restritiva também foi aplicada a conteúdos que envolvem especificamente parques, florestas e espaços verdes urbanos com alta biodiversidade. “Esse procedimento é comum na pesquisa científica, a fim de evitar reinventar a roda. Já existe um acervo robusto, que não precisa ser duplicado”, explica uma das autoras do estudo.
Resultados da pesquisa sobre o contato com a natureza
A análise revelou que 94% dos estudos revisados apresentaram resultados positivos em relação ao contato com a natureza, identificando 12 efeitos psicológicos benéficos e cinco efeitos fisiológicos. Apenas 8,95% dos artigos demonstraram efeitos neutros, enquanto nenhum apresentou impacto negativo. As evidências sugerem que a criação de experiências turísticas baseadas nesses benefícios poderia potencialmente melhorar a atratividade dos destinos turísticos.
Para compreender os benefícios reais das interações com a natureza, a pesquisa classifica as atividades em observações passivas e ativas. A observação passiva é entendida como a presença em uma área verde sem que esta seja o foco de atenção. “Se uma pessoa estiver caminhando em um espaço verde e ouvindo música, o ambiente naturalmente tem um efeito sobre ela. Mesmo que esteja visualizando a natureza, não está necessariamente prestando atenção em detalhes específicos daquele ambiente”, esclarece uma das pesquisadoras.
A partir da análise, foi constatado que a grande maioria das pesquisas (94,03%) indicou resultados positivos em relação ao contato com a natureza. Entre os efeitos psicológicos identificados, destacam-se a redução da ansiedade, do estresse e da irritabilidade, enquanto as melhorias na saúde cardiovascular foram os principais efeitos fisiológicos observados. Outro benefício frequentemente mencionado nos estudos são os efeitos restauradores proporcionados pelas áreas verdes, que incluem a recuperação do estado de fadiga mental e a elevação do humor.
“Embora aspectos físicos e psicológicos possam ser considerados separadamente, muitas vezes estão interconectados. Quando alguém se sente menos estressado, isso reflete fisicamente no corpo”, destaca uma das especialistas.
Além desses achados, alguns estudos mencionam que a conexão com o meio ambiente pode ter impactos em outras áreas ainda pouco exploradas, como o aumento da empatia e da espiritualidade por meio de interações sociais nesses ambientes, além de melhorias na concentração e na cognição após o contato com a natureza.
O potencial do ecoturismo
Dados divulgados recentemente pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), com apoio do Ministério do Turismo, indicam que o ecoturismo já representa 60% do faturamento do setor no Brasil. Diante desse panorama, seria de se esperar um aumento nos investimentos na área. Contudo, a pesquisadora aponta a ausência de infraestrutura adequada e a necessidade de modificar a forma como as pessoas interagem com o ambiente. Comportamentos inadequados, como desrespeitar regras de conservação e não compreender a importância da biodiversidade local, podem ser prejudiciais para esses ecossistemas no país.
Ao discutir como um estudo que evidencia os benefícios da natureza pode abrir novas possibilidades no ecoturismo, a pesquisadora defende que uma conscientização coletiva pode gerar pressão para decisões mais efetivas em favor da conservação ambiental. “Aquilo que não é valorizado nem observado, tende a não receber os recursos necessários”, conclui.
Nesse contexto, a autora do estudo de doutorado foca em associar projetos de observação da natureza a iniciativas de ciência cidadã. Esses projetos têm demonstrado impacto direto na formulação de políticas públicas voltadas à preservação de áreas verdes. Por sua vez, a especialista acrescenta que esses resultados significativos podem contribuir para a criação de mais espaços verdes e públicos nas cidades. “Quando áreas públicas, sejam urbanas ou reservas naturais, são planejadas adequadamente, todos se beneficiam, incluindo o setor turístico”.
O artigo Observar a natureza pode melhorar o bem-estar humano? Oportunidades para o Ecoturismo pode ser acessado aqui.
