Após 70 anos de pesquisas e experimentos de fusão nuclear, cientistas da Califórnia provaram que a “ignição” com lasers é viável — uma descoberta importante para a tão sonhada energia limpa e infinita.
Mas o que isso significa?
Fusão nuclear, o “Santo Graal” da produção de energia, é um conceito complexo, que desde sempre está em nosso cotidiano: é o processo que mantém “ligadas” as estrelas do universo, gerando luz e calor continuamente.
Basicamente, pares de átomos submetidos a temperaturas extremas são “esmagados” juntos e se fundem, virando um único núcleo mais pesado e liberando grande quantidade de energia.
Criar um verdadeiro Sol artificial requer muita física e engenharia, pois a fusão consome energia demais para ser iniciada. O desafio é torná-la sustentável, fazendo com quem mais energia saia do que entre, e que isso aconteça continuamente e não por breves momentos.
E é isso que o Laboratório Nacional Lawrence Livermore (LLNL) alega ter conseguido. Mesmo que em uma escala bem pequena.
O que rolou?
Os cientistas usaram o maior sistema de lasers do mundo para realizar um processo chamado “ignição”.
Acontece assim: o raio laser é dividido e tem sua energia amplificada para produzir 192 feixes. Eles são usados simultaneamente para esquentar as paredes de um pequeno cilindro oco de ouro (do tamanho de uma borracha de lápis), chamado hohlraum, até mais de 3 milhões de graus Celsius.
Ele, então, funciona como um forno de raios X para aquecer uma esfera milimétrica (menor que um grão de pimenta) em seu interior, contendo dois isótopos mais pesados de hidrogênio: deutério e trítio. O calor faz o conteúdo desta cápsula implodir — o deutério e trítio são forçados juntos rapidamente, sob enorme pressão e temperatura.
São condições comparáveis aos do centro de uma estrela, ultrapassando os 100 milhões de graus Celsius (mais quente que o núcleo do Sol) e uma pressão de mais de 100 bilhões de atmosferas terrestres.
Tudo vira uma bolha de plasma. Na parte mais quente do combustível, há a fusão dos átomos de hidrogênio, resultando na formação de um núcleo de hélio. E, como um hélio tem menos massa do que a combinação de um deutério e um trítio, a diferença é liberada em uma explosão de energia e nêutrons.
É como criar um micro estrela.
Em condições ideais, o núcleo de hélio produzido consegue transferir sua energia cinética para o combustível restante, aquecendo-o e disparando mais fusão. Assim, é possível liberar mais energia do que foi colocada no experimento pelos lasers — esta é a ignição.
O que os cientistas conseguiram?
Segundo o LLNL, a ignição foi alcançada — isso já havia acontecido anteriormente, mas em escalas mínimas.
A equipe aqueceu o combustível com 2,05MJ (megajoules) dos lasers e liberou mais que isso: 3,15MJ de energia.
Mas foi mais como uma bomba (ou um lançamento de foguete) do que um gerador: a liberação durou pouco segundos.
Isso é muito?
Não. A diferença (1.1MJ) representa apenas 0,3kWh. Para efeitos comparativos, usamos cerca de 0,1kWh para ferver um litro de água.
E esta conta não inclui a enorme energia elétrica necessária para operar o sistema de raios laser, de aproximadamente 500MJ.
Mas por que tanta empolgação?
Pesquisas de fusão nuclear acontecem desde a década de 1950, e esta foi a primeira vez que cientistas demonstraram a ignição — ou seja, um ganho de energia — em uma escala razoável em laboratório. Isso indica ser possível usar a fusão a laser para gerar energia.
Espera-se que, com o desenvolvimento da tecnologia adequada, a fusão nuclear possa futuramente nos fornecer uma fonte de energia limpa, segura e praticamente infinita. Isso é crucial para o futuro do planeta e da humanidade — nossa dependência de combustíveis fósseis é a grande causadora do aquecimento global.
Quanto vai demorar para abastecermos nossas casas com fusão nuclear?
Muito. Muito mesmo. Com investimento de bilhões de dólares do governo norte-americano, o experimento foi uma prova de conceito; apenas uma pequena quantidade de energia excedente foi gerada, por pouco tempo, e a um custo altíssimo.
Para ter aplicações práticas, este processo teria de acontecer em uma frequência muito maior e ser bem mais barato, para sequer pensarmos em um dia aquecer a água de um bule em casa.
Ainda precisamos desenvolver métodos mais simples e eficientes de realizar a ignição, para um dia termos um reator comercial com esta tecnologia. Isso ainda deve levar mais algumas décadas de pesquisa. Mas demos mais um passo na direção correta.
Vale lembrar que não devemos confundir a fusão com a fissão nuclear (o processo oposto, usado nas usinas nucleares, como Angra, Zaporizhia, Chernobil e Fukushima), em que pesados átomos são divididos (em vez de unidos), gerando resíduos radioativos e muitos riscos.
A fusão pode produzir muito mais energia, com mais segurança, pouquíssimos resíduos e sem emissão de gases estufa.