Nova lei no Mato Grosso muda categoria de área da Amazônia para Cerrado

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Projeto no Mato Grosso pode afetar 5,5 mil hectares da Amazônia

Fazenda Mato Grosso em Canutama
Fazenda Mato Grosso, em Canutama (AM). | Foto: © Nilmar Lage / Greenpeace

O projeto de lei complementar (PLC) 18/2024, que aguarda sanção do governador Mauro Mendes, se configura como uma ameaça a aproximadamente 5,5 mil hectares de floresta amazônica. Esse cálculo foi feito pelo Instituto Centro de Vida, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que se dedica a promover boas práticas de governança ambiental e políticas públicas no Mato Grosso.

“Estamos diante de um projeto que legalizaria o desmatamento em 10% do território matogrossense”, comentou Alice Thuault, diretora executiva do Instituto. De acordo com ela, a proposta busca reclassificar os biomas com base em critérios que permitirão agrupar áreas da Amazônia como Cerrado. “Critérios que não estão incluídos na legislação federal; por exemplo, se a altura média da vegetação é maior do que 20 metros, é considerada Amazônia. Se for menos, é classificada como Cerrado. Esse critério é equivocado para definir biomas e vegetações, levando à diminuição da reserva legal”, completou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Desmatamento na Amazônia
Área queimada no Parque Nacional do Juruena e na Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados (sobreposição entre UC e TI), em Apiacás, Mato Grosso. Foto: © Victor Moriyama | Greenpeace

A nova legislação altera a forma como os biomas são classificados, permitindo que a reclassificação de propriedades rurais seja feita com base em amostras coletadas fora das próprias propriedades. Segundo o Artigo 2º do texto, no caso de não ser possível realizar amostragens na propriedade, as áreas a 10 km do perímetro rural poderão ser consideradas.

Suely destacou que a classificação feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera diversos fatores, e a nova proposta ignora o fato de que a proteção ambiental é uma competência concorrente entre União, Estados e Municípios. Portanto, as legislações estaduais e municipais devem ser mais restritivas que as normas federais. “Aprovada a nova norma, ela poderá comprometer as delimitações estabelecidas pelo governo federal”, concluiu.

Desafios legislativos e a reação do governo

Nos últimos meses, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso tem aprovado diversas normas que desafiam a legislação federal, como a Proposta de Emenda Constitucional 12/2022, que restringe a criação de novas Unidades de Conservação no estado, além de alterações na Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai.

Árvores no Cerrado
Pequizeiro, árvore típica do Cerrado, em área desmatada para plantio de soja. | Foto: © André Dib | WWF-Brasil

As mudanças têm gerado judicialização das propostas, resultando em liminares do Supremo Tribunal Federal que consideram muitas dessas normas inconstitucionais. Na visão de Suely, é provável que o PLC 18/2024 enfrente um destino semelhante caso seja sancionado, dado que contraria a legislação federal e a interpretação nacional sobre os biomas.

Impactos nas políticas climáticas e econômicas

Alice Thuault afirma que uma legislação estadual que se oponha às normas federais pode impactar acordos internacionais que o Brasil assumiu para redução do desmatamento, como a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que estabelece meta de redução de 59% a 67% nas emissões de gases do efeito estufa até 2035. “Com o Código Florestal vigente, a possibilidade de desmatamento legal no Mato Grosso é de cerca de seis milhões de hectares; a nova proposta aumentaria essa possibilidade significativamente”, advertiu.

Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), alertou que essa medida também pode prejudicar os produtores rurais na hora de comercializar seus produtos a nível internacional. “O Código Florestal oferece um respaldo que valoriza os produtores que buscam regularização ambiental. Ao comprometer seus fundamentos, afeta-se a reputação desses produtores”, ressaltou.

Colheita de soja no Cerrado
Colheita de soja no Cerrado. Foto: Pixabay

A legislação aprovada, segundo Alice, pode inviabilizar políticas públicas que favorecem a redução do desmatamento no país e impactar negativamente uma parte da população que poderia se beneficiar de iniciativas como o Mercado de Carbono. “Embora a votação tenha sido relativamente equilibrada, com 15 votos a favor e 8 contra, temos esperança de que o governador veto essa lei, já que ela compromete a possibilidade de crédito de carbono em grande parte do estado”, finalizou.

As pesquisadoras concordam em que as ações adotadas pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso, tidas como antiambientais, refletem uma resposta ao êxito de políticas nacionais que já demonstram avanços no combate às mudanças climáticas. “Essa postura sugere um negacionismo ambiental, já que 46% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil provêm de alterações no uso da terra, principalmente do desmatamento; então, ao aprovar uma lei como a do PLC18, estamos contribuindo para o aumento das emissões de gases de efeito estufa”, conclui Suely.

Contraste entre plantação de soja e terra indígena
Contraste entre uma plantação de soja e terra indígena. Foto: Kamikia Kisedje

Por meio de uma nota, o governo do estado informou que os deputados estaduais aprovaram um substitutivo integral à proposta original, elaborada pelo deputado Nininho, sem conexão com o texto apresentado pelo governo. A nota acrescenta que o projeto aprovado ainda está em fase de análise técnica e jurídica e não há previsão de sanção pelo governador.

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