O ex-garçom, ex-pastor e empresário Gladson Acácio dos Santos decide na Justiça cobrar sua doação de 72,3 milhões de reais para a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) em 2020 e 2021. Diante da 1ª Vara Cível da Comarca de Cabo Frio, onde foi apelidado de “Faraó do Bitcoin”, Glaidson afirma que Iurd demonstrou “ingratidão” ao duvidar da origem legítima do recurso.
Preso desde agosto passado na Operação Kriptos, lançada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal, Glaidson era acusado de dirigir um esquema bilionário de pirâmide financeira por meio de sua empresa G.A.S. Consultoria e Tecnologia Ltda. O empresário é acusado de prejudicar milhares de investidores no mercado de criptomoedas.
Em junho, sua prisão foi retirada pelo Tribunal Superior por crimes contra instituições financeiras e associações criminosas, mas ele permanece sob custódia em outros cinco casos. Entre eles: estelionato, lavagem de dinheiro, uma acusação de homicídio e duas acusações de tentativa de homicídio. O empresário está preso no Presídio Estadual Joaquim Ferreira de Souza, no Complexo de Gericinó.
Antes de se tornar o “Faraó do Bitcoin”, Gladson era pastor da Igreja Universal. Descrevendo o que levou ao seu pedido de cancelamento do processo de doação por sua ingratidão e pedidos de auxílio emergencial e perda moral, ele explicou que como crente aprendeu a “respeitar e admirar” o Islã. Segundo ele, sua mãe o criou nesse ambiente, e já adulto se ofereceu “como missionário no Brasil e no exterior”.
Com “sucesso profissional”, Gladson argumentou que “por se sentir acolhido e integrado à família Universal”, começou “legalmente e por meio de transações devidamente registradas no sistema financeiro da nação”, diz o processo. Doou R$ 12,8 milhões como pessoa física e R$ 59,4 milhões em nome da G.A.S. Além de devolver os R$ 72,3 milhões, ele também pede indenização de R$ 200 mil por danos morais.
Segundo o advogado David Augusto Cardoso de Figueiredo, que ingressou com a ação no fim de setembro, não há dúvidas de que a Iurd agiu de má-fé com Glaidson:
— A Igreja Universal do Reino de Deus pediu a instauração do inquérito policial para investigar a G.A.S. na Polícia Civil do Distrito Federal em maio de 2021 e, mesmo depois, ainda se locupletam das doações de meu cliente. Não se sentia incomodada com isso — comentou o advogado.
Segundo ação assinada por Figueiredo e pelo colega Murilo Cobucci, a IURD recebeu 30 milhões de reais da consultoria de Glaidson após registro na delegacia contra o mesmo: “Se a Igreja Universal optou por acionar a máquina estatal para que iniciasse persecução penal contra os demandantes, nada mais justo, então, que as doações por eles efetuadas à Ré sejam devolvidas, tendo em vista os graves atos de ingratidão cometidos”. Os advogados também destacam na ação que representantes da instituição religiosa difamaram Gladson e sua empresa e insultaram, acusando-a de atividade criminosa contra a economia em geral e roubo, comparando a atuação da empresa com a atividade ilegal de “tráfico”. O líder da igreja, bispo Edir Macedo, chegou a sugerir que qualquer pessoa que negociasse criptoativos tivesse “conexões com Satanás”, lembrou Figueiredo.
Na ação, a defesa de Glaidson transcreve uma pregação feita pelo Bispo Renato Cardoso, liderança da Iurd, no Templo de Salomão, sede da igreja em Del Castilho, referindo-se aos investimentos em criptomoedas do ex-integrante da Universal. O vídeo é anexado aos autos: “De volta 10%, 15%,20% você vai investir nisso, você vai investir naquilo. E a pessoa incauta entrou na pirâmide, entrou na pirâmide financeira. E a pirâmide financeira trouxe dinheiro. Então esse espírito de ganância se infiltrou no meio da igreja. E não foi só a Igreja Universal, não. Várias igrejas, policiais, servidores públicos, gente aí como você viu que caiu, que pegou as economias de sua vida e colocou na pirâmide”. E prossegue: “Agora, o cabeça está preso. Ela dava dízimo na igreja! Dava ofertas altas na igreja! A igreja questionou: “vem cá, você dá o dízimo, ofertas altíssimas, recebemos denúncias que você está assediando, que você está trazendo gente, fazendo um esquema!?”. Não, não respondeu às nossas questões. Que que nós fizemos? Nós denunciamos! Fomos à justiça!”. Concluindo: “Neste caso, porque as ofertas eram vultosas, nós procuramos saber de onde vem esse dinheiro. Não respondeu! Então nós deixamos esse dinheiro de lado, deixamos esse dinheiro, não contamos com esse dinheiro e fomos à Justiça pra que ele prove a origem desse dinheiro. Ele vai ter que provar na Justiça que esse dinheiro era lícito. Eu não sei se é roubado, não é? Vai ter que provar.”
Procurada, a assessoria de imprensa da Universal do Reino de Deus informou: “Tudo o que a Universal do Reino de Deus deve anunciar sobre o assunto consta em nota divulgada em 30 de agosto de 2021: A Universal havia alertado as autoridades e o público à suposta pirâmide financeira”. A ação tem como base o artigo 555 do Código Civil, que prevê a revogação de doações por ingratidão do donatário.