O novo documentário intitulado “Fogo Pantanal Fogo”, do cineasta Sandro Kakabadze, traz à tona discussões relevantes sobre o aumento das queimadas no Pantanal, um fenômeno que tem raízes diversas mas que se intensificou de maneira alarmante a partir de 2020. Ao longo desse ano, cerca de 26% da vegetação do bioma foi devastada, o que gerou grande preocupação pela destruição sem precedentes da flora e da fauna na maior planície alagável do mundo. O filme teve sua estreia recente e já está disponível sem custos no YouTube.
Produzido pelo Documenta Pantanal em colaboração com a Âmbar Filmes e com o suporte de várias instituições, incluindo a Associação Onçafari, Acaia Pantanal, Instituto Homem Pantaneiro, SOS Pantanal e MapBiomas, o documentário captura a repetição do drama vivido em anos anteriores, utilizando filmagens realizadas entre junho e outubro de 2024. Essas imagens documentam as severas queimadas que ocorreram em meio à maior seca já registrada nesse bioma.
O documentário tem um caráter impactante e segue a metodologia desenvolvida em mais de 50 produções do cineasta. Durante essas obras, Kakabadze percorreu 23 estados brasileiros, ouvindo denúncias de comunidades locais, ambientalistas, cientistas e representantes de ONGs e órgãos governamentais a respeito das transformações ambientais que o Brasil vem vivenciando. Ele destaca não só o papel prejudicial das ações humanas — que aumentaram os índices de desmatamento e incêndios ilegais —, mas também a crescente emergência climática e suas consequências.
“A princípio, meu foco era abordar o desmatamento no Pantanal. Contudo, durante as pesquisas, identifiquei a iminente nova fase de queimadas, e tanto eu quanto Mônica Guimarães e Teresa Bracher, que coordenam o Documenta Pantanal, concordamos que o tema mais pertinente seria explorar as múltiplas facetas do fogo na região”, explica Kakabadze.
A primeira onda de queimadas ocorreu em maio, e as gravações começaram em junho, intensificando-se entre agosto e outubro. “Lamentavelmente, temos certeza de que novas ondas de queimadas ocorrerão. Desde que comecei a filmar no Pantanal, esta é sem dúvida a seca mais severa que já presenciei. A verificação via imagens de satélite do MapBiomas, que monitora a área desde 1985, confirma que estamos diante da maior seca já registrada na região”, detalha o cineasta.
Documentário “Fogo Pantanal Fogo”
Com uma estrutura dividida em três partes, “Fogo Pantanal Fogo” inicia-se com uma análise concentrada em três dias de queimadas devastadoras, mergulhando na rotina desafiadora dos brigadistas do Prevfogo, um grupo organizado pelo Ibama que atua no combate a incêndios florestais e queimadas não autorizadas, além de promover mudanças nos hábitos relacionados ao uso do fogo na agricultura.
Na sequência, Kakabadze explora as diversas origens das queimadas, destacando não apenas o impacto da crise climática e das queimadas intencionais, mas também as práticas culturalmente enraizadas que podem acionar focos de incêndio, como o uso do fogo para afastar insetos durante atividades de coleta.
Por último, a terceira parte do “Fogo Pantanal Fogo” evidencia o devastador impacto das queimadas sobre a vegetação nativa e a fauna local, resultando em um cenário onde o verde vibrante dá lugar a um manto de cinzas e escombros.
Da cobertura de conflitos às questões ambientais
Sandro Kakabadze nasceu na Geórgia, na Europa Oriental, e se graduou em Jornalismo pela Universidade Estatal de Moscou. Atuou como repórter de TV, abordando temas sociopolíticos como a Guerra Russo-Georgiana, que resultou em um considerável número de vítimas. Após esse evento trágico, Kakabadze se mudou para a Inglaterra, onde começou suas experiências no campo da filmagem. Nesse período, obteve um mestrado em Documentário pela Goldsmiths University of London, com especialização em direção, fotografia e edição.
Durante sua estadia em Londres, ele conheceu sua atual parceira, a arquiteta Terra Capobianco, e se mudou para o Brasil em 2013. Na mesma época, iniciou sua colaboração com a cineasta Eliana Caffé em dois longa-metragens: “A Margem da Paisagem” e “Era O Hotel Cambridge”. A experiência adquirida nesse último projeto despertou nele o interesse em documentar a vida de refugiados no Brasil, além da realidade de comunidades em situações de ocupação que lutam por moradia. A mudança de foco para questões socioambientais ocorreu quando ele começou a compor documentários para o MapBiomas, parceria que já conta com mais de 30 títulos e que levou ao seu envolvimento com o Documenta Pantanal.
Em 2022, em razão de seus trabalhos para o MapBiomas, foi convidado para realizar o filme “A Seca no Pantanal – 2019 – 2022”, um média-metragem de 40 minutos. Neste trabalho, ele percebeu o quanto a seca altera drasticamente o ecossistema. Mudanças na fauna se tornaram evidentes, como um aumento na população de cervos, que não necessitam de grandes quantidades de água, e uma diminuição nos jacarés, que são altamente dependentes dela. O comportamento dos peixes também foi afetado pela escassez de alimento.
O primeiro longa-metragem de Kakabadze, “A Margem do Ouro”, focou na região da bacia do Rio Tapajós, notóriamente a maior área produtora de ouro do Brasil. O filme foi exibido na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde recebeu o Prêmio Abraccine de Melhor Diretor Estreante. Recentemente, em agosto de 2024, também ganhou uma Menção Honrosa do Júri da Mostra Ecofalante de Cinema, o mais relevante evento sul-americano voltado para o cinema socioambiental.
Após dez anos de carreira como documentarista no Brasil, a sensibilidade de Kakabadze já rendeu um número significativo de produções e expressivas contribuições ao cinema nacional, especialmente no que diz respeito a temas socioambientais e de preservação. “Fogo Pantanal Fogo” representa a terceira colaboração entre ele e o Documenta Pantanal. Mônica Guimarães destaca: “É uma honra para nós participar do trabalho de um diretor tão jovem e comprometido em retratar os desafios que enfrentamos”.
Núcleo audiovisual do Documenta Pantanal
O Documenta Pantanal foi inaugurado em 2019 sob a direção de Jorge Bodanzky e João Farkas, com o documentário “Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra”, que marcou o início das iniciativas de produção e apoio ao audiovisual. Desde então, diversas outras obras têm contribuído para formar uma representação mais ampla do bioma Pantanal.
Até o presente momento, foram realizados seis projetos, com “Fogo Pantanal Fogo” sendo o terceiro filme de Sandro Kakabadze em parceria com o Documenta Pantanal, antecedido por “Pantanal: Paraíso Restaurável – Assoreamento” e “A Seca no Pantanal: 2019 a 2022”. Em colaboração com o Acaia Pantanal e o Instituto Taquari Vivo, e em 2022, foi lançado o filme “Um Rio Desbocado”, de Frico Guimarães, que também havia produzido o média-metragem “Finado Taquari” em 2020.
Complementando seus esforços, o Documenta Pantanal também apoiou trabalhos importantes, como “Jaguaretê-Avá – Pantanal em Chamas”, “Okavango, o Pantanal Africano” e “Sinfonia da Sobrevivência”, que reafirmam o compromisso do núcleo com a produção de cinema que explora temas socioambientais relevantes.
Para assistir ao documentário, acesse o YouTube.