Uma equipe de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fez uma inovação no mundo da panificação ao criar um pão com farinha extraída da casca de jabuticaba. Esse novo produto surge como uma alternativa viável para pessoas que buscam controlar a glicemia, em especial, aqueles com diabetes. As descobertas geradas pelos testes foram publicadas na conceituada revista Foods.
O pão é um dos alimentos mais consumidos, mas sua alta concentração de carboidratos está associada a picos acentuados de glicose no sangue, o que pode ser problemático. Desde a perspectiva dos autores do estudo, a indústria de panificação tem procurado diversificar suas ofertas, incorporando formulações que acrescentem valor nutritivo e adotando técnicas de fermentação que promovam uma resposta glicêmica menos intensa.
Os dados contidos no artigo revelam que, ao incluir farinha da casca de jabuticaba, a quantidade de fibras no pão aumentou em mais de 50%. Além disso, a capacidade antioxidante do produto também se elevou, variando de 1,35 a 3,53 vezes, dependendo da proporção de farinha de jabuticaba utilizada na receita. Com isso, houve uma enriquecedora adição de nutrientes, resultando em um produto final com uma composição nutricional superior.
Para investigar os picos glicêmicos gerados pelo novo pão, os pesquisadores realizaram um estudo crossover. Os participantes consumiram, em uma primeira fase, um pão que passava pelo processo de fermentação natural longa, conhecido por sua capacidade de gerar picos glicêmicos mais amenos. Na semana seguinte, eles experimentaram o pão que continha a farinha de casca de jabuticaba. O pico glicêmico após a ingestão do pão tradicional ocorreu 30 minutos após o consumo, permanecendo elevado até aproximadamente 45 minutos antes de começar a cair. Em contrapartida, o pão enriquecido com jabuticaba apresentou um pico mais tardio, que ocorreu após 45 minutos, e foi menos pronunciado, diminuindo gradualmente ao longo de três horas.
Aspectos do Metabolismo
O aumento dos níveis de glicose no sangue é comumente provocado pelo consumo de alimentos com alto teor de carboidratos, como os pães. Durante a digestão, a glicose é liberada e isso sinaliza ao pâncreas para produzir insulina, hormônio responsável por normalizar os níveis de açúcar no sangue. Disfunções nesse sistema podem acarretar sérios problemas de saúde, reforçando a importância de monitorar as elevações glicêmicas com a alimentação.
De acordo com os pesquisadores, “menores aumentos de glicose e insulina após as refeições podem reduzir a probabilidade de desenvolvimento do diabetes tipo 2 e da síndrome metabólica. Para aqueles que já apresentam desregulações na glicemia, é possível que controlar essas elevações reduza o risco de doenças cardíacas.” Isso é essencial para prolongar a vida útil das células que produzem insulina”, destaca um dos autores do estudo, Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e líder de pesquisa no Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades da FAPESP.
Outro autor, a professora Cinthia Cazarin, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, explica que um dos maiores desafios durante o desenvolvimento dos pães para pesquisa foi a harmonização entre aspectos tecnológicos da produção e a preservação dos valores nutricionais e funcionais do pão. “A farinha de casca de jabuticaba possui características sensoriais únicas, e sua incorporação precisava ser avaliada tanto em relação aos métodos de panificação quanto ao processamento e conservação dos compostos bioativos presentes”, relata.
A preservação dos compostos da casca de jabuticaba era crucial, uma vez que as variações observadas na resposta glicêmica e na secreção de insulina estão relacionadas diretamente ao teor de compostos fenólicos, como as antocianinas, que conferem a coloração arroxeada à fruta.
Outro achado relevante da pesquisa foi a sensibilidade à saciedade. Após uma hora do consumo, os participantes que ingeriram o pão com a farinha de jabuticaba relataram uma maior sensação de plenitude, quando comparados ao pão controle. Essa percepção está geralmente associada a um retorno mais gradual da glicemia aos níveis basais, resultante de alimentos com menor índice glicêmico.
A capacidade antioxidante dos pães foi acompanhada ao longo de três horas após a ingestão. Observou-se um aumento significativo na eficácia de neutralização de radicais livres de oxigênio após a prova do pão com a farinha especial. “Essa melhoria na capacidade antioxidante é relevante, visto que a oxidação de proteínas no organismo é um fator que contribui para o surgimento de doenças metabólicas, cardiovasculares, oncológicas e até o próprio envelhecimento”, enfatiza Geloneze.
Além disso, o novo produto manteve sua integridade por até sete dias. Esse prolongamento do tempo de prateleira sugere que as bactérias presentes na farinha da casca de jabuticaba, juntamente com os metabólitos gerados durante a fermentação, podem atuar como conservantes naturais, inibindo o crescimento de microrganismos indesejáveis em produtos submetidos a longos períodos de fermentação.
Composição da Jabuticaba
A pesquisa contemporânea tem se concentrado na adição de ingredientes de alto valor biológico, em especial subprodutos agroindustriais, levando em consideração o volume de descarte e o potencial nutracêutico desses ingredientes.
O professor Mário Maróstica, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp e coautor do estudo apoiado pela FAPESP, há anos realiza investigações sobre a caracterização de compostos bioativos presentes em frutas nativas do Brasil. As evidências demonstram que o consumo de frutas roxas, como a jabuticaba, pode auxiliar na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. “A casca de jabuticaba está repleta de compostos fenólicos e fibras, que têm efeitos bem documentados no controle dos níveis de glicose e colesterol”, afirma ele.
Em pesquisas anteriores, houve uma caracterização do efeito do suco de jabuticaba sobre a resistência à insulina e o aumento na secreção de um hormônio vital para o controle da fome e saciedade, o GLP-1, que possui uma ação semelhante à de medicamentos como semaglutida e liraglutida.
Com o avanço das investigações, o grupo que integra departamentos de ciências médicas e engenharia de alimentos da Unicamp prossegue na análise dos bioativos da jabuticaba, agora empregando modelos animais para entender suas relações com depressão e a prevenção de câncer colorretal.
O artigo intitulado Production of Long Fermentation Bread with Jabuticaba Peel Flour Added: Technological and Functional Aspects and Impact on Glycemic and Insulinemic Responses está disponível para leitura AQUI.
Fonte: Guia Região dos Lagos