Facções criminosas burlam licitações em Arraial do Cabo, diz reportagem
Uma reportagem reveladora publicada por um importante veículo de comunicação nesta terça-feira (1) expõe como algumas das maiores facções criminosas do Brasil, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), têm burlado processos licitatórios e utilizado prefeituras na região Sudeste para lavar dinheiro oriundo de atividades ilícitas. Um caso específico que chama atenção é o de Marcos Antônio Ferreira do Nazareth, conhecido como Marquinho de Nicomedes, candidato a vereador em Arraial do Cabo, que possui uma longa ficha criminal, incluindo condenação por tráfico de drogas e envolvimento em fraudes com a administração local.
O início da campanha de Nazareth foi atípico, sem eventos de rua ou interações diretas com os eleitorado local. Em postagens em suas redes sociais, ele convoca os cidadãos a se unirem a ele em busca de uma Arraial do Cabo mais justa. Porém, uma razão importante para a sua presença digital intensa é que, desde 18 de junho, ele está encarcerado, enfrentando acusações de desvio de mais de R$ 6 milhões em contratos com a prefeitura.
Conforme informações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Nazareth abriu empresas de construção — uma delas registrada em nome de um “laranja” — que venceram licitações com gravíssimas irregularidades entre 2018 e 2020, com a finalidade de construir postos de saúde em Arraial do Cabo. Apesar de receber os recursos, as obras quase não avançaram até que as irregularidades fossem descobertas no começo de 2021. As unidades de saúde, que deveriam estar operando, só foram entregues durante a gestão seguinte.
Nazareth enfrenta múltiplas acusações relacionadas a essas fraudes, mas sua história criminosa é ainda mais extensa, tendo sido condenado em 2008 a 4 anos e 2 meses de prisão por ser parte de uma quadrilha que transportava drogas de Mato Grosso do Sul para Arraial do Cabo. Em 2011, ele pegou mais 5 anos e 6 meses após ser encontrado com drogas na rodoviária do Rio de Janeiro, durante uma ação policial. Na série “O crime em campanha”, o veículo de comunicação evidencia como facções criminosas têm infiltrado estruturas políticas no Sudeste brasileiro.
Em um depoimento de 2020 à Polícia Civil, Nazareth revelou que, no passado, atuava como matuto para facções, transportando drogas entre a fronteira e a cidade. Ele alegou ter abandonado o tráfico após ser pai em 2011 e, seguindo recomendações de amigos no meio político, decidiu investir no setor de construção civil. O inquérito indicou que ele fundou duas empresas: uma em seu nome e outra em nome de Jerry Anderson de Araújo Silva, que, como apontado, era um laranja.
Para garantir que suas empresas vencessem as licitações, Nazareth teria realizado pagamentos em forma de propinas a diversos funcionários da prefeitura. As investigações apontaram transferências financeiras de uma de suas empresas para o vice-prefeito e outros servidores públicos, demonstrando um esquema complexo de corrupção. Atualmente, ele e outros 16 réus respondem a diversas acusações, incluindo organização criminosa, corrupção ativa e passiva, e lavagem de dinheiro, embora apenas Nazareth esteja preso no momento.
A Promotora Tatiana Kaziris, que supervisiona o caso, afirmou que as empresas de Nazareth existiam apenas no papel, sendo todas direcionadas a garantir contratos com o poder municipal na tentativa de lavar dinheiro ilícito. Sem dúvida, ele ainda mantém laços com o tráfico, já que seu eleitorado se concentra nas áreas dominadas pelo CV, onde candidatos sem apoio da facção não conseguem atuar livremente.
Não é a primeira vez que investigações revelam o envolvimento do tráfico em Arraial do Cabo; em 2014, Francisco Eduardo Freire Barbosa, conhecido como Chico da Ecatur, foi preso. Ele usou sua posição na prefeitura para lavar dinheiro proveniente do tráfico, criando uma estrutura na prefeitura que facilitou ainda mais as práticas ilícitas.
O modelo de negócios do CV em Arraial do Cabo se expandiu e, similarmente, o PCC tem injetado recursos ilícitos em diversas empresas que também participam de licitações em prefeituras por todo o estado de São Paulo. A exposição de como as facções estão infiltradas no tecido político e econômico revela um cenário profundo de corrupção e violação da lei. Dados do MP revelam que pelo menos 30 cidades paulistas estabeleceram ou têm contratos com empresas associadas ao PCC, abrangendo serviços essenciais, como transporte público e saúde.
Os diretores de empresas de ônibus em São Paulo foram detidos após investigações que apontaram conexões com o PCC, e uma enorme quantidade de recursos públicos flui para essas companhias. O caso está sob escrutínio, especialmente no que diz respeito à administração municipal e à corrupção.
Enquanto isso, Nazareth, mesmo preso, tenta manter a imagem de um “preso político”, alegando que enfrenta perseguições devido às suas críticas à administração atual da prefeitura. De acordo com seus advogados, o candidato é inocente e que as acusações são fruto de rivalidades políticas. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio (TRE-RJ) invalidou sua candidatura, alegando inelegibilidade devido à condenação anterior. Entretanto, como ele está apelando da decisão, seu nome ainda constará nas urnas.