Trabalhar seis dias consecutivos seguidos por um dia de descanso tem se mostrado um desafio desgastante e até mesmo cruel para muitos trabalhadores. O dia de folga é frequentemente utilizado para resolver pendências, como consultas médicas, atividades bancárias e compras, o que não permite um verdadeiro tempo de descanso. Em resposta a essa situação, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca eliminar a jornada 6×1 tem atraído apoio de diversos setores da sociedade, unindo pessoas de diferentes orientações políticas. No entanto, qual é a origem dessa proposta e quais são seus benefícios? Também existem possíveis contra-argumentos? Especialistas compartilham sua visão sobre o tema.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada na década de 40, estipula uma carga semanal de 44 horas de trabalho. Naquela época, isso representou um avanço significativo para os direitos dos trabalhadores, considerando as normativas anteriores. Contudo, setores onde a demanda não cessa durante o fim de semana, como lojas, farmácias e supermercados, adotaram a jornada de trabalho 6×1 como prática comum. Apesar das transformações na sociedade ao longo dos anos, as legislações laborais permaneceram inalteradas.
Em diversas partes do mundo, especialmente em grandes cidades europeias, modelos alternativos de jornada de trabalho têm sido testados, como o sistema de 4×3. Em 2019, a Microsoft implementou no Japão uma jornada concentrada em quatro dias na semana, buscando equacionar a vida pessoal e profissional dos colaboradores e promover uma sustentabilidade humana. Já em 2022, o Reino Unido realizou o maior experimento que avaliou jornadas de trabalho de quatro dias, revelando que as empresas obtiveram benefícios significativos, incluindo menores taxas de rotatividade e aumento nos lucros em comparação com períodos com horários mais extensos.
Renata Rivetti, especialista em felicidade no trabalho e sustentabilidade humana, argumenta que, desde a década de 30, acreditava-se que o desenvolvimento tecnológico reduziria a carga horária trabalhada. Entretanto, tal expectativa não se concretizou, já que a conectividade moderna trouxe uma pressão emocional ainda maior sobre os trabalhadores.
“A realidade é que, atualmente, estamos trabalhando mais do que nunca, e os índices de saúde mental são alarmantes. Embora a tecnologia tenha proporcionado conectividade, isso não aliviou nossa carga emocional, mas a intensificou”, comenta. Um estudo realizado no Reino Unido revelou que, em média, os trabalhadores são produtivos apenas por 2 horas e 23 minutos diariamente, e a sobrecarga de informações, reuniões excessivas e distrações parecem não ter solução visível para promover um ambiente de trabalho mais saudável.
Renata também foi fundamental na implementação, em 2023, da semana de quatro dias de trabalho no Brasil, em colaboração com a organização 4 Day Week Global. Algumas empresas leais a essa inovação já têm adotado o novo modelo no Brasil, mas as práticas ainda não abrangem setores operacionais, como os citados anteriormente. Uma mudança potencial está sendo iniciada com o movimento VAT (Vida Além do Trabalho), promovido por Rick Azevedo, vereador recém-eleito no Rio de Janeiro, que fundamentou a PEC com uma proposta de jornada de trabalho de quatro dias e três de folga, garantindo o mesmo salário.
O professor Carlos Manoel Rodrigues, do Centro Universitário de Brasília (CEUB), destaca que a PEC, liderada pela deputada Erika Hilton, alinha o Brasil com uma tendência global em direção a modelos de trabalho mais humanizados. Segundo Rodrigues, a jornada 6×1 limita o descanso dos trabalhadores, que necessitam de tempo para se recuperar física e mentalmente das exigências do cotidiano.
“Essa falta de descanso pode levar a problemas como ansiedade e depressão”, alerta. Para Rodrigues, horários de trabalho mais flexíveis podem beneficiar significativamente a saúde mental. “Dias de descanso adicionais proporcionam ao trabalhador uma oportunidade para se recuperar e dedicar tempo a atividades que favoreçam sua saúde emocional, como convívio familiar e lazer”, acrescenta.
Além de promover o bem-estar, a aprovação da proposta também poderia contribuir para a redução dos acidentes de trabalho, muitos dos quais estão associados à fadiga e à falta de atenção. O professor enfatiza que a exaustão compromete importantes habilidades laborais, como concentração e julgamento. “Isso eleva o risco de erros e acidentes, que podem resultar em consequências sérias”, afirma.
Redução de carga horária e incremento na produtividade
Conforme ressaltado pelo professor do CEUB, a introdução de um modelo 4×3 pode ser uma estratégia eficaz para melhorar a produtividade a longo prazo. Profissionais que equilibrarem suas vidas pessoal e profissional tendem a apresentar mais disposição e qualidade nas suas entregas. “Indivíduos descansados produzem de maneira mais eficiente e cometem menos erros. Essa mudança gera benefícios tanto para a pessoa quanto para a organização”, conclui Rodrigues.
Carolina Latorre, Diretora Geral Regional do Project Management Institute (PMI) na América Latina, é favorável à flexibilização das jornadas. “O futuro do gerenciamento de projetos está intrinsecamente ligado à maneira como as organizações e suas equipes se adaptam ao ambiente. Modelos rígidos como o 6×1 podem obstruir o equilíbrio entre trabalhar e viver”, argumenta a executiva. “As empresas precisam refletir e considerar formas de proporcionar um ambiente mais flexível, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos colaboradores. O equilíbrio entre trabalho e descanso não só eleva a qualidade de vida, mas também impulsiona o sucesso coletivo e a produtividade”, complete.
A introdução dessa proposta pode ter um impacto significativo na sociedade em geral, com possibilidades de redução da pressão sobre o sistema de saúde pública e previdência, além de promover a mobilidade urbana e práticas sustentáveis. “A PEC que visa mudar a jornada de trabalho no Brasil pode marcar um divisor de águas na estrutura do mercado de trabalho brasileiro, promovendo uma jornada mais equilibrada e sustentável, o que geraria efeitos positivos tanto na saúde mental dos trabalhadores como no desenvolvimento socioeconômico do país”, observa Rodrigues.
A importância da redução de carga e estímulos ao descanso
Por outro lado, alguns especialistas apontam para a necessidade de implementar mudanças complementares para garantir que os benefícios da nova jornada sejam plenamente aproveitados. O Dr. Marcos Mendanha, médico do trabalho e autor de uma obra sobre Burnout, traz reflexões sobre o fim da jornada 6×1. “É evidente que a redução das horas de trabalho pode gerar mais energia e produtividade. Contudo, se a carga de atividades não for ajustada proporcionalmente aos novos dias de trabalho, o efeito pode ser oposto, resultando em maior cansaço e estresse”, pondera.
Ele exemplifica que, se o volume de trabalho que antes era realizado em seis dias for compactado em quatro dias, isso resultaria em uma carga onerosa. “Nesse cenário, o trabalhador teria que desempenhar tarefas que realizava em seis dias para cumprir em apenas quatro. Esta pressão extra pode ser um dos principais impulsionadores do Burnout e de problemas de saúde mental”, alerta.
Outro aspecto importante a ser considerado é como os novos dias de folga seriam utilizados pelos trabalhadores. De acordo com Mendanha, “é crucial refletir sobre como esses novos dias de descanso seriam aproveitados a longo prazo”. O especialista menciona que essa questão importa, pois muitos podem acabar assumindo novos compromissos em suas folgas, substituindo um emprego por múltiplos. O que poderia resultar novamente na exaustão.
“Muitos trabalhadores da saúde, por exemplo, acabam realizando a jornada 12×36, onde trabalham 36 horas e descansam apenas 12, o que se traduz em um cansaço ainda maior e compromete a saúde física e emocional desse grupo”, finaliza Mendanha.
Desafios no ambiente corporativo
Funcionários de escritório também enfrentam uma série de “sabotadores” que comprometem a produtividade no trabalho. Renata Rivetti enumera alguns deles:
- Excesso de reuniões, a grande maioria delas prolongadas, mal organizadas e improdutivas;
- Sobreposição de informações, que surge em decorrência de uma comunicação ineficiente;
- Inadequado uso da tecnologia, não aproveitando o potencial da Inteligência Artificial para automatizar processos repetitivos;
- Cultura excessivamente imediatista e falta de priorização nas tarefas. Quando tudo é considerado urgente, nada realmente é;
- Dificuldade de concentração. Estudos indicam que as pessoas perdem o foco quase metade do tempo e têm pouca gestão sobre os fatores que as distraem.
A seguir, algumas sugestões que podem ser úteis às empresas para otimizar o ambiente de trabalho:
- Revisão das reuniões, evitando que ocupem toda a agenda do trabalhador. É fundamental adotar a cultura de que estar 100% presente não significa que todos estão produtivos.
- Reavaliar o que realmente deve ser discutido em uma reunião;
- Repensar a necessidade de reuniões recorrentes;
- Estabelecer regras para limitar o número de participantes, com agendas pré-definidas, para que documentos sejam compartilhados antecipadamente;
- Aprimorar a comunicação para que seja mais sinérgica e completa;
- Promover *stand-up meetings para discutir questões pontuais.
(*Stand-up meeting se refere a reuniões rápidas, geralmente realizadas em pé, focadas no andamento de tarefas e no alinhamento de prioridades.)
2. Aproveitar o tempo disponível após as reuniões para focar em tarefas importantes.
“É primordial que os funcionários tenham momentos planejados para trabalhar com maior concentração, evitando a multitarefa, como tentar desempenhar atividades durante reuniões”, adverte Renata.
3. Utilizar ferramentas de priorização e planejamento que ajudem a direcionar o foco das pessoas ao que é realmente urgente, delegando ou agendando tarefas que possam ser feitas posteriormente, tal como a Matriz de Eisenhower.
A Matriz de Eisenhower é uma metodologia que auxilia na gestão do tempo, permitindo priorizar atividades com base na urgência e importância.
4. Implementar o uso da inteligência artificial generativa para auxiliar em atividades como a elaboração de atas, resumos de reuniões, design e transcrições, entre outras tarefas que possam ser otimizadas.
“Contudo, é preciso usar a IA com cautela, garantindo a revisão e análise de segurança. Esses cuidados asseguram que essa tecnologia realmente possa contribuir na diminuição da sobrecarga de trabalho”, conclui Renata.
Essas recomendações não demandam altos investimentos e podem ajudar a criar um ambiente de trabalho mais equilibrado, que respeite a vida pessoal dos colaboradores. “O futuro do trabalho tem o potencial de ser mais sustentável para todos, mas isso depende das atitudes de profissionais, empresas e lideranças”, finaliza Rivetti.