A recente aprovação pela Câmara dos Deputados, no dia 19 de novembro, do projeto de lei que institui um mercado regulado de carbono no Brasil marca um importante passo na luta contra as emissões de gases que contribuem para o aquecimento global. Com essa iniciativa, o país avança em sua busca para cumprir as metas climáticas estabelecidas globalmente.
O novo sistema, agora a caminho da sanção presidencial, permitirá que empresas e indústrias recebam cotas máximas de emissão, funcionando como licenças que autorizam a liberação de um certo volume de gases. As empresas que conseguirem manter suas emissões abaixo deste limite poderão comercializar a diferença, enquanto aquelas que excederem deverão adquirir créditos de carbono ou ativos que representem a remoção de gases da atmosfera.
Chamado de Sistema Brasileiro de Comercialização de Emissões (SBCE), o novo marco legal tem o potencial de reduzir as emissões de poluentes ao estimular uma economia mais descarbonizada, apostando na transição de combustíveis fósseis para fontes energéticas limpas.
A aprovação deste projeto acontece em um momento estratégico, visto que poderá ser destacado nas discussões da 29ª Conferência do Clima da ONU, que está em andamento em Baku.
Segundo Shigueo Watanabe Jr., especialista de renomadas instituições, espera-se que esse sistema resulte em mudanças significativas nas operações industriais, como a troca de caldeiras e a adaptação de processos produtivos. O governo será responsável por elaborar um Plano Nacional de Alocação que determinará as cotas de emissão para cada setor ao longo dos ciclos de atualização, com a proposta de reduzir gradativamente as permissões ao longo do tempo.
No entanto, analistas alertam que a nova legislação tem lacunas que necessitarão de regulamentações adicionais. Por exemplo, a definição de quais setores estarão sujeitos às novas regras ainda não foi estabelecida, deixando espaço para interpretações e possíveis ajustes futuros.
Os setores específicos que serão integrados ao sistema de emissão ainda necessitam ser determinados. Embora a lei mencione que operadores de instalações que emitam mais de 25 mil toneladas de CO2 equivalente anualmente devem ser regulamentados, detalhes sobre a governança do SBCE ainda carecem de definição.
Essas definições devem ser implementadas em até 12 meses, com a possibilidade de prorrogação por mais 12. Ainda assim, o sistema pode levar alguns anos para ser totalmente operacional, com a expectativa de conclusão em 2030.
A falta de clareza em regulamentações pode gerar controvérsias sobre a governança e a aplicação das normas, segundo especialistas que alertam que a abordagem utilizada poderia não ser a mais eficiente em comparação com sistemas de mercado estabelecidos em outros países, como a União Europeia e a China, que já possuem experiências consolidadas nesse âmbito.
O perfil das emissões brasileiras é distinto do de outras nações, já que, enquanto países como os da União Europeia enfrentam desafios significativos no setor energético, o Brasil se destaca por uma matriz elétrica predominantemente limpa, centrada em hidrelétricas. Apesar disso, o desmatamento e a agropecuária são as principais fontes de emissões de CO2, com o primeiro responsável por 46% do total emitido no ano passado.
A nova legislação pode conferir às grandes indústrias a capacidade de tomar decisões de descarbonização. É vital que o sistema inclua normas rigorosas para os maiores emissores, como as indústrias de cimento e de siderurgia, conforme destacado por Watanabe.
O projeto também abre espaço para que iniciativas privadas criem Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs), os quais devem seguir critérios estabelecidos pelo órgão gerenciador do sistema. A lei ainda permite a implementação de programas de REDD+, que visam à compressão e ao reflorestamento, gerando créditos a partir da conservação de florestas.
Os governos estaduais terão a opção de implementar “programas jurisdicionais REDD+” que possibilitam a obtenção de créditos de carbono com a venda relacionada ao controle do desmatamento. O estado do Pará, por exemplo, já formulou um sistema nesse sentido, sendo pioneiro na venda de ativos relacionados à redução do desmatamento.
No que se refere a projetos voluntários, empresas privadas poderão negociar créditos de carbono resultantes de iniciativas de projetos REDD+. Diferentemente do mercado regulado, onde as empresas têm a obrigatoriedade de respeitar suas cotas, no mercado voluntário essa carga não existe, permitindo que empresas adquiram créditos conforme suas metas pessoais ou demandas do mercado.
Historicamente, o mercado voluntário no Brasil funcionou sem regulamentação, o que resultou em diversas irregularidades e problemas relacionados a comunidades tradicionais, que frequentemente não eram compensadas pelo uso de suas terras em projetos de créditos de carbono. O projeto de lei, no entanto, busca corrigir essa situação ao impor salvaguardas que terão força de lei, o que pode trazer melhorias significativas para as comunidades locais.
De acordo com a nova legislação, povos indígenas e comunidades tradicionais têm o direito de autorizar projetos de créditos de carbono, desde que sejam realizadas consultas previamente, de acordo com normas internacionais. Esse tipo de consulta deve ser financiado pelos desenvolvedores dos projetos, garantindo assim que as comunidades tenham voz e participação nos processos que afetem seus territórios.
Além disso, é especificado que os indígenas e comunidades tradicionais poderão reter pelo menos 70% dos créditos gerados em projetos REDD+ em suas áreas. Para outros tipos de projetos de remoção, esse percentual é de, no mínimo, 50%. Isso representa uma mudança significativa, visto que historicamente essas comunidades não tinham acesso a esses benefícios.
Nos últimos anos, houve um aumento na pressão enfrentada por comunidades tradicionais por partes de desenvolvedoras de projetos de carbono, muitas vezes sem as devidas consultas ou compensações. Um levantamento realizado pela Funai mostrou que vários contratos de compensações foram considerados inválidos devido à falta de consulta às comunidades afetadas. A nova legislação busca corrigir essas falhas e ampliar os direitos das comunidades afetadas, promovendo um ambiente mais justo.
Um ponto controverso do projeto de lei é a exclusão da agropecuária do conjunto de setores limitados pelas novas regras. Embora a atividade represente uma das principais fontes de emissões, o texto isenta a “produção primária agropecuária” de obrigações, uma decisão que gerou críticas entre especialistas que defendem a inclusão do setor, dada sua importância nas emissões do país.
Enquanto isso, produtores rurais agora poderão monetizar créditos de carbono gerados a partir de projetos que impliquem a manutenção de áreas de preservação, incentivando práticas sustentáveis, ainda que o Código Florestal já imponha essas obrigações. Essa possibilidade de receber remuneração pelo cumprimento da lei é vista como uma forma de reconhecimento financeiro a iniciativas que já deveriam ser praticadas.
Apesar das lacunas e controvérsias, a regulamentação do mercado de carbono no Brasil é uma iniciativa promissora e pode trazer benefícios à descarbonização do país. O SBCE é considerado um mecanismo fundamental na transição para uma economia mais sustentável e pode cobrir uma parte significativa das emissões brasileiras.
Com a implementação adequada e a colaboração entre os setores públicos e privados, há potencial para que o sistema ofereça uma solução viável para a redução das emissões, contribua para os compromissos internacionais do Brasil e promova um futuro mais sustentável para todos.