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A reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos gerou uma onda de apreensão entre cientistas, líderes políticos, jornalistas e ativistas em relação às implicações de sua liderança para a luta contra a crise climática. A preocupação principal se deve ao desinteresse do então presidente por questões ambientais, conforme suas promessas feitas durante a campanha, que ignoram a gravidade das mudanças climáticas, um tema que está em pauta na COP29.
É importante recordar que, durante seu mandato anterior, Trump tomou medidas como a retirada dos EUA do Acordo de Paris, desmantelou políticas voltadas ao controle de poluição e fomentou a exploração de combustíveis fósseis em propriedade federais e também em águas internacionais. Além disso, endossou uma postura negacionista em relação à urgência da crise ambiental, classificando a problemática climática como uma “fraude”, enquanto minimizava os efeitos do aquecimento, que incluem fenômenos climáticos extremos como tempestades e furacões.
Com a nova presidência, Trump parece estar determinado a desfazer os esforços de seu sucessor, conforme já fez anteriormente com as iniciativas do ex-presidente Barack Obama. Ele também sinalizou a intenção de anular o legado de Joe Biden, que inclui incentivos à ampliação de fontes renováveis de energia e à adoção de veículos elétricos.
Ademais, Trump se comprometeu a retirar os Estados Unidos não apenas do Acordo de Paris, mas também da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, o que implicaria na exclusão quase total da nação americana das discussões internacionais que visam abordar a crise climática.
A postura de Trump levanta preocupações que vão além das fronteiras dos Estados Unidos, tornando-se uma questão de interesse global. De acordo com o WRI, os dados de 2022 colocam a China como a maior emissora de CO2, com os EUA em segundo lugar, seguidos pela Índia, Rússia e Japão.
Embora entre os 10 maiores emissores de CO2 do planeta, os Estados Unidos se destacam como a nação que tem as maiores emissões por habitante, com uma taxa duas vezes superior à da China e oito vezes maior do que a da Índia. Esses dados alarmantes são especialmente relevantes com a COP29 iniciando suas atividades em 11 de novembro de 2024, diante do possível retrocesso que a nova administração americana pode desencadear em relação aos esforços globais para controlar o aquecimento do planeta.
O cientista Bill Hare, da Climate Analytics, expressou sua inquietação ao afirmar que “a eleição de um negador do clima para a presidência dos EUA representa um enorme risco para o mundo”. Para ele, a volta de Trump pode comprometer os esforços necessários para limitar a elevação da temperatura média do planeta a 1,5°C neste século, conforme estipulado no Acordo de Paris.
A COP29, que acontece em Baku, servirá como um indicativo para medir se o mundo poderá avançar nas iniciativas de redução das emissões de gases de efeito estufa, mesmo sem a presença do país mais rico do mundo nas negociações. A agenda atual, no entanto, é mais complexa e desafiadora do que a da conferência de Marrakech em 2016 (COP22), especialmente devido à questão do financiamento climático, que ainda carece de soluções eficazes.
Laurence Tubiana, ex-chefe das negociações climáticas da França na COP21 em 2015 e uma das idealizadoras do Acordo de Paris, destacou que “a vitória de Trump é um retrocesso na ação climática global”, mas ressaltou que o Acordo de Paris demonstrou ser mais resiliente do que as políticas de qualquer governo. Ela também alertou para a dinâmica econômica favorável à transição energética mundial, liderada pelos EUA, agora ameaçada.
Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da UNFCCC, também não poupou críticas, afirmando que a ausência dos EUA nas deliberações climáticas globais é um “grande revés”, mas que isso não vai deter as mudanças já em curso em direção à descarbonização da economia. “Insistir no uso de petróleo e gás significa ficar para trás em um mundo que evolui rapidamente”, declarou.
O início conturbado da COP29
A conferência COP29 do Clima tem como objetivo principal destravar o financiamento climático, uma tarefa urgente que, até o momento, não teve resultados significativos. A situação se complica com a recente eleição de Trump e suas possíveis consequências negativas para as negociações climáticas e metas internacionais. Além disso, a abertura do evento foi marcada por uma denúncia de que o diretor executivo da conferência, Elnur Soltanov, estava discutindo investimentos em combustíveis fósseis.
Documentos e gravações secretas feitas pela Global Witness revelaram Soltanov em conversas sobre “oportunidades de investimento” na Socar, empresa estatal de petróleo e gás do Azerbaijão. “Temos muitos campos de gás que devem ser explorados”, comentou o diretor em suas declarações. Em contradição ao discurso oficial de “resolver a crise climática”, ele expressou abertura para discussões sobre acordos que incluam petróleo e gás fósseis.
Adicionalmente, Soltanov mencionou que o futuro energético do país poderia envolver combustíveis fósseis “talvez para sempre”, indicando que, mesmo com compromissos de redução, a produção de petróleo e gás poderia continuar indefinidamente.
Conflito entre COP29 e G20
A frustração em relação à COP29 foi amplificada pela ausência de importantes líderes internacionais. Com a cúpula do G20 ocorrendo paralelamente, diversos chefes de Estado decidiram não comparecer ao encontro em Baku, preferindo o evento no Rio de Janeiro. Dentre os que não estão presentes, estão o presidente dos EUA, Joe Biden, o da China, Xi Jinping, o da Índia, Narendra Modi, o presidente da França, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Essa falta de representação certamente influenciará as discussões e facilita a priorização de ações efetivas no G20.
Segundo Lauri Myllyvirta, do Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo, a administração Trump provavelmente não irá aumentar o financiamento climático para nações em desenvolvimento, o que poderá dar espaço para a China se posicionar como uma defensora confiável do Acordo de Paris. A proximidade do país asiático com a União Europeia e outras nações ricas poderia ser uma estratégia para distanciar as negociações da influência dos EUA sob Trump.
O físico e climatologista Paulo Artaxo, reconhecido especialista brasileiro em aquecimento global, comentou que a meta de limitar o aumento da temperatura média do planeta a 1,5°C perdeu força. “Neste ano, já vamos ultrapassar 1,5°C”, advertiu em entrevista, reforçando a urgência de um novo modelo de governança climática que seja efetivo.
Artaxo destacou que, embora as conferências como a COP sejam cruciais para negociar e verificar metas, atualmente elas carecem de um sistema prático, sendo apenas um método voluntário onde cada país pode apresentar suas ações sem um mecanismo global de verificação de emissões.
Meta Climática do Brasil em discussão
A divulgação da Meta Climática Nacional do Brasil também suscita críticas e insatisfação. O anúncio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) foi feito sem uma cerimônia formal e sem a presença da imprensa, o que surpreendeu os especialistas. O governo federal comunicou que o Brasil se compromete a diminuir suas emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035 em relação aos níveis de 2005, o que representa um nível de emissões de 850 milhões a 1,05 bilhão de toneladas de CO2 equivalente por ano.
Porém, a comunidade científica e organizações socioambientais criticaram os números como conservadores, especialmente à luz da intenção do Brasil de liderar a agenda climática global, um papel preponderante após a reeleição de Trump e sua postura cética em relação às questões ambientais.
O governo brasileiro afirmou que a nova meta “está alinhada ao objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5°C em comparação ao período pré-industrial” e também servirá para que o Brasil avance rumo à neutralidade climática até 2050. No entanto, especialistas questionam essa posição.
Dados do painel científico sugerem que, para manter a possibilidade de limitar a temperatura global em 1,5°C, as emissões globais precisarão ser reduzidas em 60% até 2035 em relação a 2019. As emissões brasileiras em 2019 somaram 1,7 GtCO2, o que indica que o teto das emissões para o Brasil em 2035 deveria ser de 680 MtCO2.
A promessa do presidente de alcançar desmatamento zero até 2030 e a recuperação de 12 milhões de hectares de florestas, além do compromisso de redução de metano firmada durante a COP de Glasgow, apontam para um cenário em que as emissões até 2035 poderiam ficar abaixo de 650 milhões de tCO2.
Ainda assim, as críticas sobre a falta de estratégias claras para alcançar essas metas geraram expectativa em relação ao detalhamento que será feito pela liderança brasileira em Baku, especialmente pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que está à frente da delegação do Brasil.
Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina, salientou: “Estamos em um momento crítico e esses números não inspiram confiança para que ocorram ações significativas que evitem que o planeta ultrapasse o limite de 1,5°C. Vindo do país-sede da COP30, isso é preocupante, pois este é o momento em que devemos nos mostrar dispostos a reverter a situação.”
Com informações de ClimaInfo
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