Na última semana, foi destacado que a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP16) necessitava de avanços significativos na questão do financiamento para a biodiversidade. No entanto, ao término do evento, o impasse não foi solucionado. Apesar de algumas conquistas notáveis, o Instituto ClimaInfo avaliou o resultado da cúpula como “um balde de água fria”.
A COP16, realizada entre os dias 21 de outubro e 2 de novembro em Cali, Colômbia, contou com a presença de representantes de mais de 190 países, reunindo cerca de 20 mil participantes, estabelecendo-se como a maior conferência sobre biodiversidade da história. O fervor do evento foi tanto que a cidade enfrentou dificuldades para acomodar todos os presentes, levando a reportagens muitas vezes engraçadas sobre a necessidade de hospedar líderes internacionais em motéis, como noticiado pelo The Guardian e Reuters.
Ocorre que, a cada dois anos, a cúpula foca no Marco Global de Biodiversidade, um tratado multilateral estabelecido durante a COP15, no Canadá, visando a contenção e a reversão da degradação dos ecossistemas. O acordo estabelece a meta de preservar 30% das áreas naturais do planeta, tanto terrestres quanto marinhas, até 2030.
Para que o acordo seja efetivamente implementado, é fundamental a criação de um modelo financeiro robusto. Questões como as fontes de recursos, a execução do orçamento, a gestão por parte dos países, e os mecanismos para acesso a esses fundos ainda precisam ser discutidas.
Porém, o tema do financiamento é sempre um verdadeiro desafio. Na plenária final, por exemplo, a COP teve que ser interrompida devido à falta de quórum, já no início da madrugada de sábado (2).
Nações em desenvolvimento, que possuem uma parte significativa da biodiversidade global, pleiteiam um novo fundo financeiro específico para a biodiversidade. O Global Environment Facility (GEF), atualmente responsável por administrar recursos financeiros, foi concebido como um instrumento provisório. Entre as questões levantadas está a governança do fundo, que costuma favorecer países desenvolvidos, e a concentração de decisões nas mãos dos doadores, em detrimento dos países receptores.
O Ministério do Meio Ambiente do Brasil destaca que “os países em desenvolvimento que abrigam a biodiversidade do mundo clamam por um novo mecanismo financeiro que atenda de forma equitativa suas necessidades. No GEF, é necessário que países em desenvolvimento se revezem em assentos, enquanto os países doadores mantêm cadeiras fixas. Um exemplo claro é que dezesseis países africanos têm apenas um voto, enquanto Brasil e Colômbia, que têm alta diversidade biológica, compartilham um assento com o Equador”, afirma.
Um texto foi apresentado com o intuito de discutir a criação de um fundo específico para a biodiversidade, mas a proposta foi rejeitada pelo representante da União Europeia, com apoio de Noruega, Japão e Canadá. O Brasil, que tinha a liderança nessa discussão, se manifestou em seguida.
“É necessário garantir recursos (…). Estamos aguardando pela implementação do mecanismo do artigo 21 desde a COP1. Chegamos à COP16 sem um mecanismo financeiro efetivo. Precisamos iniciar essas discussões no início da conferência. É imprescindível que tenhamos decisões que assegurem, pela primeira vez, os recursos necessários, para, depois, partirmos para discutir as obrigações”, destacou Maria Angelica Ikeda, diretora de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Sua declaração foi recebida com aplausos de diversas nações em desenvolvimento.
Outro desafio importante diz respeito ao compromisso assumido pelos países desenvolvidos, que prometeram destinar US$ 20 bilhões anualmente até 2025 para a conservação e recuperação da biodiversidade. Até o momento, entretanto, o valor total doado está abaixo de 2% do prometido. Embora países ricos aleguem estar próximos do cumprimento da meta, a falta de transparência em suas afirmações é um ponto crítico. Reportagens indicam que, até a COP16, o fundo só havia acumulado menos de US$ 500 milhões.
Fundo de Cali
Uma das progressões concretas resultantes da COP16 foi a criação do “Fundo de Cali”, que é um mecanismo financeiro destinado a redirecionar recursos gerados por indústrias que utilizam recursos naturais sequenciados geneticamente, em benefício de países e comunidades originárias.
A proposta é que esse fundo proporcione um compartilhamento equitativo dos benefícios relacionados a determinados conhecimentos com aqueles que as desenvolveram. As regras estabelecidas indicam que empresas farmacêuticas, de cosméticos e de suplementos alimentares, entre outras, devem contribuir com 1% dos lucros ou 0,1% da receita.
Existem algumas exceções para instituições acadêmicas, públicas e organizações que utilizam informações de sequência digital, desde que não visem lucro. Espera-se que ao menos metade dos recursos obtidos por esse fundo sejam direcionados a apoiar povos indígenas e comunidades locais, seja através de governos ou por pagamentos diretos a organizações escolhidas por esses povos.
Um ponto que chama atenção é que se trata de um instrumento de caráter voluntário, o que levanta incertezas acerca de sua operacionalização. Tentou-se a aprovação de uma cláusula que tornasse a contribuição obrigatória, mas esta proposta foi rejeitada por países como Japão e Suíça. Nações em desenvolvimento, incluindo o Brasil, aceitaram a opção da não obrigatoriedade.