Na década de 1980, a Paraíba, um dos principais centros de produção de algodão do Brasil, enfrentou um desafio sem igual em sua economia. A combinação de uma severa seca com a invasão de uma praga, conhecida como bicudo, devastou as plantações de algodão, causando prejuízos significativos e a eliminação de milhares de postos de trabalho.
Nos últimos anos, no entanto, a cidade de Ingá, situada a pouco mais de 100 quilômetros de João Pessoa, reergueu suas esperanças por meio do cultivo de um algodão especial, que é orgânico e de coloração diversificada.
Essa transformação se deve ao trabalho conjunto entre agricultores familiares e a comunidade quilombola, que se uniram em torno da Cooperativa dos Agricultores do Município de Ingá e Região (Itacoop). Além disso, a iniciativa contou com o apoio da Prefeitura de Ingá e da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos), o que viabilizou a produção de algodão orgânico de qualidade superior.
Uma conquista significativa ocorreu em 2022, com a realização da primeira edição do “Dia da Colheita”. Neste evento, o algodão orgânico da região alcançou a fase de escala industrial, ampliando a produção e abrindo novos mercados. No ano seguinte, 2023, a cooperativa, com o suporte de indústrias têxteis como Companhia Industrial Cataguases e Dalila Têxtil, além da empresa de confecção Natural Cotton Color, conseguiu adquirir uma potente máquina de beneficiamento.
Os resultados obtidos são impressionantes: a produtividade anterior de 225 ramas de algodão beneficiadas por hora saltou para extraordinários 4.000 quilos na mesma quantidade de tempo. Além disso, um processo que antes durava oito meses foi reduzido a apenas 72 horas. Essa eficiência trouxe maior lucratividade, refletindo ganhos significativos para todos os envolvidos.
De acordo com a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer Regional), que desempenha um papel fundamental na assessoria técnica da produção do algodão orgânico, o projeto experimentou um crescimento notável: em apenas três anos, o número de famílias de agricultores participantes passou de sete para 28, o que representa um aumento de 400% em um curto espaço de tempo.
O presidente da Itacoop, Severino Vicente da Silva, conhecido como seu Bio, afirmou que o retorno à produção de algodão despertou certa desconfiança, especialmente devido ao trauma colectivo vivido pelos agricultores na década de 80. No entanto, conforme os resultados começaram a se revelar, a confiança da comunidade foi restaurada.
Em busca de sustentabilidade ambiental, o cultivo do algodão é realizado em consórcio com outras culturas, como feijão e milho. Essa prática não só fornece alimento para as famílias, mas também dificulta a disseminação das pragas, em um sistema agroflorestal que promove a biodiversidade.
Do ponto de vista econômico, a sustentabilidade do projeto é assegurada pela garantia de compra dos produtos por empresas têxteis e confecções, como a Natural Cotton Color.
Francisca Vieira, líder da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos), tem sido uma figura fundamental para o êxito do projeto Algodão Paraíba. Sua atuação consiste em estabelecer conexões entre os produtores rurais, artesãos, governos locais, comerciantes e entidades exportadoras. Segundo Francisca, atualmente o Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial de produção de algodão orgânico, atrás apenas da Índia. Contudo, a expectativa é que este ano o Brasil ultrapasse a Índia e se torne o maior produtor do mundo. Isso é possível, já que a produção nacional que há 12 anos era de apenas 1.800 quilos, agora atingiu a impressionante marca de 130 toneladas.
O semiárido brasileiro está, portanto, passando por uma significativa transformação, recuperando sua vocação histórica para a produção de algodão. Esse modelo de sucesso deve ser replicado em outras áreas do país, promovendo qualidade, respeito ao meio ambiente e geração de valor para as comunidades envolvidas. Em tempos de mudanças climáticas, iniciativas sustentáveis como esta tornam-se imprescindíveis.