Negociação internacional para conter poluição plástica acaba em impasse

escultura de plástico

Negociação global para conter poluição plástica termina em impasse

Na segunda-feira, dia 29 de abril terminou a quarta de cinco rodadas de negociações da ONU para que o mundo chegue a um acordo global a respeito do plástico – 400 milhões de toneladas de resíduos anuais que ameaçam a saúde do planeta e da humanidade.

Infelizmente a reunião finalizada em Ottawa, no Canadá foi marcada por discordâncias e não por um acordo sobre como frear a poluição plástica. Nos dois lados do embate estão, de maneira simplificada, países em desenvolvimento que querem compromissos mais robustos na eliminação da poluição por plásticos e, do outro, nações produtoras de petróleo, com amplo apoio da indústria química e de combustíveis fósseis, que trabalham para adiar estes compromissos.

O mundo segue dividido em relação sobre a intensidade das normas do 1º tratado sobre plásticos e a solução apresentada foram novas reuniões menores antes do último encontro para o acordo final, esperado para dezembro.

Antes de reciclar, reduzir!

Entre os impasses, o maior foi uma definição a respeito da redução na produção de alguns tipos de plástico. A reciclagem, apontada como solução durante décadas pela indústria, já foi considerada insuficiente em estudos realizados há mais de 30 anos – dados que os fabricantes de plásticos ocultaram com campanhas de marketing sobre a possibilidade de reciclar este material.

Ruanda e Peru apresentaram a primeira proposta concreta para limitar a produção de plástico para reduzir seus efeitos nocivos, incluindo as enormes emissões de carbono resultantes da sua fabricação. A moção estabelecia uma meta de redução global, ambiciosamente denominada “estrela do norte”, para diminuir a produção de polímeros plásticos primários em todo o mundo em 40% até 2040, a partir de uma base de referência de 2025.

Uma meta global de redução do plástico seria semelhante ao acordo de Paris juridicamente vinculativo para prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, afirmaram os dois países. “A meta deve alinhar-se com os nossos objetivos de uma economia circular segura para os plásticos, eliminando a lacuna de circularidade entre a produção e o consumo”, afirmaram.

Esta redução imposta pelo tratado teve o apoio de 60 países, incluindo a União europeia. Outros governos que se autodenominam Coalizão de Alta Ambição insistiram que os negociadores deveriam estudar a possibilidade de reduzir a fabricação de tipos de plásticos.

Do outro lado do Atlântico, na Itália, os ministros de Meio Ambiente, Clima e Energia do G7, que reúne os 7 países mais ricos do planeta, iniciaram seu encontro com a promessa de reduzir a poluição de plástico. O grupo prometeu apresentar, até o final do encontro, “uma série de medidas concretas” para atingir tal objetivo, mas a nota da delegação francesa que falou do compromisso não especificou quais são essas medidas.

O Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL), um dos principais grupos da sociedade civil que acompanha as negociações do tratado, declarou que os resultados ficaram muito aquém do necessário. “Em Ottawa, vimos muitos países afirmarem, com razão, que é importante que o tratado aborde a produção de polímeros plásticos primários”, disse David Azoulay, Diretor de Saúde Ambiental do CIEL. “Mas quando chegou a hora de ir além da emissão de declarações vazias e lutar por trabalho para apoiar o desenvolvimento de um programa intersecional eficaz, vimos os mesmos Estados-Membros desenvolvidos que afirmam liderar o mundo rumo a um planeta livre de poluição plástica, abandonarem a ideia, assim que os maiores poluidores olharam para eles”, lamentou David.

Clima x Petróleo

A produção de plástico é um fator significativo das mudanças climáticas, já que a maior parte deles é feita a partir de combustíveis fósseis. Um estudo realizado por cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, estimou que até 2050 a produção de plástico poderá representar 21-31% do orçamento mundial de emissões de carbono necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C.

E aí é que está a imensa pedra no meio do caminho do acordo dos plásticos: a indústria dos combustíveis fósseis. Como lembra Steve Fletcher, professor de política e economia oceânica na Universidade de Portsmouth e editor-chefe da Cambridge Prisms, o tratado poderá ser tão importante quanto o Acordo de Paris – mas só se os negociadores conseguirem enfrentar os lobistas desse setor, como a Exxon.

“É hora dos negociadores pressionarem fortemente por cortes na produção de plástico virgem e pela exigência de que a indústria petroquímica divulgue de forma transparente suas cifras de produção e os produtos químicos utilizados nos plásticos. Embora haja muitas situações em que o plástico oferece grande valor para a sociedade, como em usos médicos e alimentares, esses benefícios não devem vir ao custo atual para as pessoas e o planeta. O relógio está correndo, mas ainda há tempo para deixar às gerações futuras o legado de um planeta saudável, sem ser manchado pelo lixo plástico”, frisou o professor, em artigo no Guardian.

Opiniões divergentes, inclusive sobre os resultados

Além de não avançar em estabelecimentos de metas e normas mais ambiciosas para conter a alarmante poluição plástica e os impactos negativos da produção do material, a reunião realizada no Canadá não terminou sequer com um consenso a respeito dos seus resultados.

Enquanto a ONU falava sobre progressos importantes, ativistas e especialistas ressaltavam que o “fraco compromisso” foi uma vitória dos lobistas envolvidos no encontro.

“Viemos a Ottawa para avançar o texto e com a esperança de que os países concordassem com o trabalho intersecional necessário para fazer progressos ainda maiores antes do INC-5”, disse a Diretora Executiva do Programa Ambiental da ONU, Inger Andersen, num comunicado. “Saímos de Ottawa tendo alcançado ambos os objetivos e um caminho claro para chegar a um acordo ambicioso”.

Já o Greenpeace EUA classificou o resultado como um “compromisso fraco” em um comunicado por e-mail. Apesar dos melhores esforços de países como o Ruanda e o Peru, “estamos a caminhar para o desastre e o tempo está a esgotar-se”, disse o chefe da delegação, Graham Forbes.

Björn Beeler, coordenador internacional da Rede Internacional para a Eliminação de Poluentes concorda que houve um “grande passo depois de dois anos de muita discussão”. Mas lembra que existe um texto para ser negociado. “Infelizmente, é necessária muito mais vontade política para enfrentar a escalada descontrolada da produção de plástico”, afirma.

Carroll Muffett, presidente do CIEL, foi além em suas declarações: “Os Estados Unidos precisam parar de fingir ser um líder e assumir o fracasso que criaram aqui. Quando o maior exportador mundial de petróleo e gás, e um dos maiores arquitetos da expansão do plástico, diz que irá ignorar a produção de plástico à custa da saúde, dos direitos e da vida do seu próprio povo, o mundo escuta. Mesmo quando os EUA sinalizaram ao G7 que se comprometeriam a reduzir a produção de plástico, bloquearam intencionalmente os esforços nesse sentido nas conversações globais mais relevantes para a questão”.

As três rodadas anteriores de negociações começaram com um mandato de março de 2022 endossado por 175 nações para desenvolver um tratado juridicamente vinculativo sobre poluição por plásticos até o final de 2024. A quarta rodade de negociações tinha como objetivo avançar um texto de tratado existente que foi desenvolvido durante a terceira rodada de negociações, para que pudessem ser finalizadas na última reunião, agendada para o final de 2024, na Coreia do Sul.

Mas para isso, os países precisam definir se o tratado vai incluir limites à produção de plástico ou apenas abordar o consumo. A expectativas é que esta resolução venha de reuniões paralelas antes da última rodada de negociações.

Ao longo da semana, entretanto, países produtores de plástico como a China e a Arábia Saudita pressionaram para limitar o âmbito do tratado. Houve também uma forte presença de quase 200 lobistas de combustíveis fósseis e plásticos tentando orientar o texto final para ser favorável à indústria. Por exemplo, Stewart Harris falou em nome do Conselho Internacional de Associações Químicas para apelar a um tratado que se concentre na “circularidade”, ou reciclagem de plástico e reutilização.

“Estamos na presença de uma indústria com um manual bem conhecido por comprometer a ambição das negociações ambientais e sociais”, disse Delphine Lévi Alvarès, coordenadora global da campanha petroquímica da CIEL.

Fonte: Guia Região dos Lagos

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