Desde 2019, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem disponibilizado a plataforma “Não Me Perturbe”, que tem como objetivo fornecer aos usuários a possibilidade de bloquear chamadas de telemarketing que sejam consideradas abusivas. Contudo, muitos consumidores brasileiros continuam a ser alvo de ligações excessivas, incluindo aquelas conhecidas como “robocalls”, onde o telefone toca e, ao ser atendido, a pessoa não ouve ninguém do outro lado da linha, resultando em uma ligação que se encerra sem qualquer interação.
Uma reportagem da revista Fantástico recentemente investigou o setor de empresas que operam com programas de ligações automáticas, revelando detalhes um tanto preocupantes sobre como esse mercado funciona e os impactos que causa aos cidadãos, incluindo a realização de testes de “provas de vida” e a exploração de fraudes.
Embora a plataforma “Não Me Perturbe” tenha a capacidade de ajudar a mitigar o problema, sua eficácia é questionada por especialistas. Segundo a análise de três profissionais na área de telecomunicações, muitos bancos e operadoras de telecomunicações de grande porte estão entre os que adotaram o programa da Anatel. No entanto, empresas dedicadas a vendas, marketing e até criminosos têm ignorado a necessidade de cadastro no “Não Me Perturbe”. Além disso, esses agentes conseguem evitar possíveis penalizações impostas pela Anatel, utilizando um método chamado spoofing, que permite falsificar o número de telefone e o endereço que aparecem no identificador de chamadas, conforme explica Thiago Ayub, diretor de tecnologia da Sage Networks.
De acordo com Luciano Saboia, diretor de telecomunicações da consultoria IDC, o programa “Não Me Perturbe” é eficiente para as operadoras convencionais e call centers respeitáveis, no entanto, existem métodos estrangeiros que conseguem contornar esses mecanismos de bloqueio.
A Anatel, por sua vez, afirmou que realiza um monitoramento contínuo do cumprimento das normas pelas empresas, seja por meio da exigência de dados periódicos sobre o tráfego e bloqueios, ou por fiscalizações específicas em caso de suspeitas. O órgão também mencionou um Despacho Decisório, que foi implementado em 2024, onde um sistema foi criado para que as empresas de telefonia informem sobre a origem das chamadas indesejadas. A partir dessa nova regulamentação, as operadoras de telefonia, tanto fixa quanto móvel, devem enviar relatórios sobre o tráfego de chamadas que apresentem indícios de alteração no número.
A nova ferramenta de coleta de dados da Anatel visa identificar irregularidades com maior rapidez e efetividade, segundo a agência. Profissionais da área reconhecem que combater o excesso de ligações indesejadas e fraudulentas é um desafio enfrentado tanto pelas operadoras quanto pela Anatel, embora a agência tenha se esforçado para implementar medidas nesse sentido.
Atualmente, a página que promove a plataforma “Não Me Perturbe” inclui listado operadoras como Algar, Claro, Oi, Sercomtel, Sky, TIM e Vivo, além de um total de 64 instituições financeiras que também participam do programa. Ari Lopes, especialista em telecomunicações da Omdia, ressalta que o problema das ligações excessivas não é exclusividade do Brasil, afetando igualmente países como Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul, cada um possuindo uma estratégia própria de combate.
Uma das soluções que está sendo desenvolvida no Brasil para lidar com as chamadas que burlam a plataforma “Não Me Perturbe” é o programa “Stir Shaken”, que adotará o nome “Origem Verificada” localmente. Essa iniciativa pretende não só mostrar o número de quem realiza a ligação, mas também incluir o nome da empresa, seu logotipo, a razão da ligação e um selo que valide a origem da chamada. Luciano Saboia descreve a nova ferramenta como uma forma de autenticar a identidade do chamador, melhorando a segurança das comunicações telefônicas.
Embora a implementação do “Origem Verificada” seja uma etapa importante, especialistas como Thiago Ayub afirmam que essa tecnologia ainda está em fase de amadurecimento e implantação por parte das operadoras e fabricantes de smartphones. Esse novo sistema, porém, não conseguirá bloquear chamadas de números fraudulentos, mas facilitará que o usuário escolha não atender ligações que não apresentem o selo de verificação.
Os usuários que desejam evitar ligações de telemarketing de empresas que não estão registradas no “Não Me Perturbe” são aconselhados a realizar o bloqueio manualmente por meio da agenda telefônica ou de um aplicativo de sua preferência. A Anatel sugere que quem continuar recebendo chamadas indesejadas, mesmo após ter se cadastrado, informe a organização que está realizando as ligações. Para fazer isso, é necessário anotar o nome da empresa e o número da chamada, permitindo ao cidadão denunciar um possível uso de recursos de numeração de maneira irregular.
Se não houver solução, o recomendado é entrar em contato diretamente com a ouvidoria da operadora e, em última instância, registrar um protocolo de atendimento na Anatel. O cadastro na plataforma “Não Me Perturbe” é gratuito, podendo ser realizado através do site oficial. Os usuários têm até 30 dias para que a solicitação de bloqueio entre em vigor, embora ressalvas sejam válidas para ligações que visem a confirmação de dados, cobranças e questões de prevenção de fraudes que não são cobertas por este serviço.