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Povo antes da colonização usava agrotecnologia para cultivar milho na Amazônia

milho

Agricultura avançada na Amazônia antiga: a cultura Casarabe

Nos últimos vinte anos, as investigações arqueológicas têm se aprofundado no estudo da história ainda pouco explorada da Amazônia e seus antigos habitantes. Um dos destaques é a cultura Casarabe, que habitou a região sudoeste da Amazônia entre os anos 500 e 1400 da Era Comum na área conhecida como Llanos de Moxos, localizada no departamento de Beni, na Bolívia. Os Casarabe ocuparam uma vasta área de aproximadamente 4.500 quilômetros quadrados, moldando de maneira cuidadosa a geografia local por meio de intervenções como terraplenagem e um assento complexo que resultou em centenas de montes monumentais. Essas estruturas eram formadas por plataformas retangulares, compostas por quatro camadas, e pirâmides cônicas que podiam atingir 22 metros de altura.

Campo de milho na Amazônia
Foto: Christophe Maertens | Unsplash

De acordo com especialistas, embora os sítios dos Casarabe sejam conhecidos desde o século XX, as escavações mais sistemáticas começaram a ocorrer apenas no final dos anos 1990, lideradas por equipes de pesquisadores alemães e bolivianos. Embora tenha sido possível determinar a cronologia dos sítios e o tipo de cerâmica que produziam, a dieta desses antigos habitantes ainda era um mistério. A dúvida quanto ao que eles consumiam levou um grupo de investigadores a se aprofundar na pesquisa sobre a alimentação dessa cultura.

Recentemente, um estudo revelou que os Casarabe praticavam a agricultura intensiva do milho, além de desenvolver um sofisticado sistema de engenharia paisagística, que possibilitou a drenagem da água na cultura do grão em savanas tropicais. Essa pesquisa foi publicada em um artigo na renomada revista Nature e utiliza tecnologias avançadas, como o LiDAR, um tipo de sensoriamento remoto que capta dados através de feixes de laser, permitindo a identificação de locais potenciais para escavação. O estudo também incluiu a perfuração de poços para a coleta de sedimentos, datação por radiocarbono e análises de grãos de pólen e fitólitos, que são estruturas microscópicas feitas de sílica contidas em tecidos vegetais que permanecem intactas após a decomposição das plantas.

O sistema agrícola implementado pelos Casarabe possibilitava transformar áreas úmidas da savana em terras drenadas ideais para a monocultura de milho durante a estação chuvosa. Os pesquisadores ressaltam que a capacidade preditiva da quantidade de precipitação era limitada, e a estratégia de drenagem ajudava a suavizar as variações sazonais. Para complementar o suprimento de água durante a estação seca, o grupo também construiu conjuntos de lagoas agrícolas, que funcionavam como reservatórios para irrigação, permitindo a continuidade da agricultura de milho até duas colheitas por ano.

Paisagem da Amazônia mostrando os montes monumentais
A llanura beniana ou Llanos de Moxos na Bolívia. Foto: Sam Beebe | CC BY-SA 2.0

A drenagem das savanas era um processo lento ao final das chuvas e, por isso, os Casarabe cavaram canais para acelerar o escoamento da água. Já em períodos de estiagem, a falta de água se tornou a principal limitação à agricultura. Portanto, a escavação de lagos para armazenar água foi uma inovação crucial. Essa combinação de engenharia paisagística, que incluía canais de drenagem e lagoas agrícolas, é considerada uma característica única da região dos montes monumentais. Os pesquisadores argumentam que isso revela uma “revolução verde pré-colombiana”, que possibilitou à cultura Casarabe expandir significativamente o tempo de cultivo do milho e oferecer fácil acesso a peixes, aves e fauna para caça.

Cultura Casarabe em foco

A cultura Casarabe, nome que deriva de uma vila nas proximidades dos sítios arqueológicos, foi amplamente estudada e, em 2022, foram identificados vestígios de assentamentos que ocupavam mais de 300 hectares. Esses locais apresentavam avançadas estruturas de gestão de água, bem como espaços destinados à ocupação humana, rituais cerimoniais e sepultamentos. Apesar das evidências da presença humana nesta região da Amazônia por aproximadamente dez mil anos, ainda persistem questões sobre as origens da cultura Casarabe e os motivos que levaram a transições de pequenas construções para megas estruturas.

A análise de dados isotópicos indica que, ao longo do tempo, a presença de milho na dieta dos habitantes foi decrescendo, gerando questionamentos sobre se o cultivo do milho foi abandonado completamente e se a cultura passou a adotar práticas mais diversificadas e integradas ao ecossistema florestal. Um estudo recente realizado pelo arqueólogo Tiago Hermenegildo abordou essa questão ao extrair isótopos de carbono e nitrogênio dos ossos de restos mortais, revelando que o milho era fundamental na dieta dos Casarabe.

Ilustração dos sistemas de irrigação da cultura Casarabe
Ilustração representando como os tanques agrícolas e canais de drenagem provavelmente eram usados pela cultura Casarabe para a agricultura de milho na Amazônia boliviana. Foto: J.P. Guevara / Reprodução Nature

A influência de mudanças econômicas e sociais no Altiplano, como o surgimento de Tiahuanaco, um importante centro político e religioso, pode ter instigado alterações nas dinâmicas sociais da cultura Casarabe. A conexão entre comércio de bens como penas e folhas de coca influiu nas formas de organização política e social que surgiram na região. O estudo intitulado Maize monoculture supported pre-Columbian urbanism in southwestern Amazonia é fruto de uma colaboração entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Natural Environment Research Council (Nerc) do Reino Unido.

A pesquisa sobre a agricultura da cultura Casarabe nos revela que a Amazônia não era apenas uma região de floresta densa, mas um espaço de complexidade social e inovação agrícola, muito antes da chegada dos europeus. A busca por entender essas sociedades antigas é fundamental para compreender o nosso patrimônio cultural e a diversidade agrícola que originou neste vasto bioma.

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