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Mulheres e Agroecologia: Práticas de Coletividade e Sustentabilidade em Barra do Turvo

Todas as últimas quintas-feiras de cada mês, um caminhão inicia seu percurso por estradas sinuosas e montanhosas, ligando a cidade de Barra do Turvo, interior de São Paulo, à BR 116. Esta ação é parte do trabalho das aproximadamente 70 agricultoras que fazem parte de 11 grupos organizados sob a Rede de Agroecologia de Mulheres Agricultoras (RAMA).
Aos poucos, enquanto o dia clareia, o caminhão coleta os produtos que estão dispostos em caixas ao longo da estrada, entregues pelas agricultoras dos bairros rurais envolvidos na RAMA. As caixas contêm uma ampla variedade de produtos, que incluem mudas, farinhas, café, pães, feijões, palmitos, açúcar mascavo, banha, chips de banana, salgados, doces, geleias, conservas, mel, queijo, ricota, massas, bolos, temperos, polpas de frutas, fitoterápicos, além de legumes, verduras e frutas frescas. A soma desses produtos chega a uma tonelada, abrangendo dezenas de variedades de vegetais e excedentes alimentares produzidos artesanalmente.
Em fevereiro, ao visitarmos Barra do Turvo, destacaram-se os ovos como um dos produtos mais discutidos nacionalmente, especialmente devido ao aumento de preços no mercado. Os ovos caipiras eram vendidos pelas agricultoras por R$ 15 a dúzia, em comparação com os R$ 19 cobrados nas redes de supermercados de São Paulo. Alama se avolumou em assembleias anuais, onde as agricultoras definem os preços independentemente da inflação, já que a organização não segue uma lógica mercadológica convencional.
Os princípios que regem a RAMA são baseados na economia solidária, no feminismo, na agroecologia, na soberania alimentar e na defesa dos modos de vida das agricultoras, assim como no combate ao racismo e a todas as formas de violência. Esses fundamentos são igualmente abraçados pela rede de grupos de consumo solidário, chamada Esparrama, que adquire os produtos da RAMA.

A rede se estende a várias cidades como Registro, Diadema, e nas zonas Oeste, Leste e Sul de São Paulo, além de diversas iniciativas de venda em espaços como o Instituto Baru e o Instituto Terra Viva. Os acordos operacionais são discutidos coletivamente, garantindo às mulheres autonomia sobre sua produção. A adoção de práticas distintas das abordagens do mercado tradicional permite a estipulação de preços justos, beneficiando tanto agricultores quanto consumidores.
Um dos fatores que contribui para a estabilidade de preços na RAMA é a autonomia das agricultoras em relação ao mercado global e suas oscilações, como comenta Natália Lobo, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF). “Isso representa uma diferença significativa entre ser um produtor que depende de comprar insumos e enfrentar a influência do mercado, principalmente em tempos de crise internacionais, como a guerra na Ucrânia”, explica.
Adicionalmente, caso haja um aumento do custo do milho, sempre existe a alternativa de comprar o produto de vizinhas em um sistema de suporte mútuo que se mostra vital para o funcionamento da rede. Essa dinâmica também ocorre com mudas e sementes, que são frequentemente doadas ou trocadas. O compartilhamento de conhecimentos sobre cultivo é uma prática contínua entre as agricultoras, que não é contabilizada na economia tradicional.

A RAMA nasceu em um contexto onde a assistência técnica voltada para as mulheres agricultoras era escassa. A coordenação da RAMA e a Articulação Nacional de Agroecologia foram estimuladas a promover a inclusão e a valorização das práticas femininas dentro do espaço agrícola. Dona Dolíria Rodrigues, uma das fundadoras, afirma: “A RAMA foi criada para fortalecer o direito das mulheres, que frequentemente enfrentam situações de abuso e dependência financeira em relação a seus parceiros.”
A organização foi impulsionada por uma resistência coletiva entre mulheres de diferentes origens, sendo parte essencial da luta pelas suas terras e direitos. No Vale do Ribeira, muitas dessas mulheres não só cultivam regularmente desde a infância, mas também incorporam conhecimentos tradicionais que passam de geração em geração, sustentando suas famílias e comunidades.
Por meio de cooperações como a RAMA, elas promovem a celebração da diversidade das práticas agrícolas que se refletem em seus quintais e roças, mostrando a pertinência do que chamam de cuidado coletivo. O compromisso com a segurança alimentar é apresentado como prioridade na RAMA, enfatizando a importância de produzir e distribuir alimentos entre as suas comunidades.

A RAMA inclui esforços contínuos para fortalecer ainda mais a sororidade e a solidariedade entre as agricultoras, essencial para o fortalecimento de suas práticas de produção e manutenção das suas famílias.
Um dos projetos emblemáticos da RAMA é a Caderneta Agroecológica, que visa documentar não apenas informações de produção, mas também destacar a importância do autoconsumo e da segurança alimentar. Este registro possibilitou que as agricultoras visualizassem a importância de sua produção para a alimentação de suas famílias, promovendo uma mudança significativa em sua percepção sobre o valor de suas colheitas.

O foco no autoconsumo representa um passo significativo para a segurança alimentar das famílias das agricultoras do quilombo Ribeirão Grande-Terra Seca, cuja produção é voltada para garantir a alimentação das suas comunidades. A confluência dessas práticas não só reflete uma conexão cultural e histórica com a terra, mas também evidencia a força e a importância da presença feminina no campo, que resulta numa realidade de escolhas coletivas e inclusivas.
A energia da RAMA e a estrutura de apoio às suas participantes refletem um esforço em transformar a realidade local, promovendo visibilidade ao trabalho feito por essas mulheres, mostrando que sua resistência é fundamental para a manutenção das práticas agroecológicas que trazem saudabilidade e segurança alimentar para a região.
Esse trabalho de resistência e solidariedade é um exemplo inspirador de como a força coletiva e o compromisso com a agricultura sustentável podem enfrentar e desafiar as estruturas de exploração e desigualdade presentes neste campo fértil.
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