Projeto de Proteção da Caatinga é Lançado

Com a intenção de aprimorar a proteção e a recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade na Caatinga, um bioma exclusivo do Brasil e particularmente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) lançou o projeto Caatinga Resiste. Essa iniciativa contará com a colaboração dos Ministérios Públicos de nove estados que integram o bioma, que são Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais, em parceria com os órgãos estaduais responsáveis pela fiscalização ambiental.
O projeto tem como meta fortalecer as ações de fiscalização, utilizando um esforço conjunto entre os poderes envolvidos. Além disso, buscará garantir a transparência e a atualização correta das informações nos bancos de dados do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e nas Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV), conforme estabelecido nas diretrizes da Nota Técnica da ABRAMPA. O projeto também prevê o levantamento das áreas remanescentes da Caatinga e das regiões prioritárias para a recuperação do bioma, além de incentivar a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) na área.
De acordo com Alexandre Gaio, promotor de Justiça, presidente da ABRAMPA e idealizador do projeto, “os elevados índices de desmatamento irregular na Caatinga evidenciam a necessidade urgente de ações coordenadas entre os Ministérios Públicos e os órgãos ambientais. A meta é aprimorar o controle sobre a supressão da vegetação, assegurar maior transparência na regularização ambiental e promover a responsabilização de infratores, contribuindo para a proteção deste bioma único e essencial ao equilíbrio climático e às comunidades locais que dependem dele.”

A promotora de Justiça do MPSE e coordenadora do projeto, Aldeleine Barbosa, enfatiza que “considerando a relevância do bioma como sumidouro de carbono, sua preservação é de suma importância, não apenas para salvaguardar sua biodiversidade única, mas também para assegurar a sustentabilidade das comunidades do semiárido brasileiro, enfrentar a crise hídrica na região e integrar uma estratégia de adaptação climática no contexto global, com atenção especial ao controle e reparação dos processos de desertificação nas áreas mais críticas do bioma, as quais têm se intensificado nos últimos anos.”
Dos dez estados que possuem a Caatinga, majoritariamente localizados no Nordeste, o Ceará é o único com cobertura total por este bioma. O estado do Rio Grande do Norte possui 96% dessa vegetação, em seguida vêm Paraíba (92%), Pernambuco (84%), Bahia (62%), Sergipe (55%), e Alagoas e Piauí, ambos com 47% de cobertura. No Sudeste, apenas Minas Gerais apresenta vegetação semiárida, correspondendo a 5% do seu território. O Maranhão, por sua vez, é o estado com a menor cobertura do bioma (1%), e não registrou alertas de desmatamento nos anos recentes, portanto, não fará parte da força-tarefa do Caatinga Resiste.
Cenário do Desmatamento na Caatinga
A crescente degradação da vegetação nativa na Caatinga nos últimos anos tem levantado sérias preocupações. A exploração excessiva dos recursos naturais, somada aos impactos severos das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e alterações em ciclos hidrológicos, estão levando à redução do potencial de autorregeneração do bioma.
Nos períodos entre 1985 e 2023, são estimados cerca de 8,6 milhões de hectares de área desmatada, representando 14% da cobertura vegetal original do bioma (INPE). Dentre as áreas que permanecem, menos de 9% estão protegidas por unidades de conservação, sejam elas federais, estaduais ou municipais. Contudo, apenas 1,3% dessas áreas estão totalmente protegidas, como zonas de uso restrito.

Dados do MapBiomas revelam que em 2023, houve um aumento de 43,3% no desmatamento da Caatinga em comparação ao ano anterior, totalizando a perda de 201.687 hectares de vegetação nativa, o que representa aproximadamente 11% do total de desmatamento no Brasil. Os estados que mais sofreram com essa situação foram a Bahia, que ocupou o primeiro lugar com um aumento de 34% em relação a 2022, e o Ceará, que acumulou um crescimento de 28%. Por outro lado, Pernambuco foi a única unidade da federação que registrou redução, com uma diminuição de 35%. No total do bioma, apenas 2,81% das áreas desmatadas não apresentaram indícios de irregularidades, a menor proporção entre todos os biomas monitorados pelo MapBiomas.
A perda contínua de vegetação, aliada à fragmentação do habitat, mudanças de uso da terra e condições climáticas áridas e semiáridas, compromete a habilidade do solo em reter água e nutrientes, elevando o risco de desertificação. Informações do MapBiomas indicam que 112 municípios da Caatinga estão classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação, nos níveis “Muito Grave” e “Grave”, tendo perdido cerca de 300 mil hectares de vegetação, representando em torno de 3% da perda total no bioma.
Enquanto a expansão da agropecuária é um dos principais fatores do desmatamento, o avanço de projetos de energia solar e eólica também vem corroendo o bioma. Em 2023, a área desmatada em decorrência desse setor aumentou em 24%, contabilizando 4.302 hectares. O estado do Rio Grande do Norte foi o que mais desmatou neste contexto, com 1.369 hectares, representando um aumento alarmante de 372% em relação ao ano anterior (MapBiomas).
Esses dados reforçam a necessidade de implementar ações de fiscalização e controle, com o intuito de coibir não apenas o desmatamento ilegal, mas também monitorar os efeitos das atividades econômicas sobre a vegetação nativa.
Desdobramentos na Estratégia de Fiscalização
Entre 2019 e 2023, apenas 8,53% das áreas desmatadas na Caatinga (totalizando 85.873 hectares) receberam ações de fiscalização, conforme apontou o MapBiomas. O projeto Caatinga Resiste tem como objetivo inverter esse quadro, reforçando as políticas voltadas ao combate do desmatamento ilegal e implementando abordagens mais eficazes de fiscalização.
Com base na Operação Mata Atlântica em Pé, atualmente coordenada pela ABRAMPA em conjunto com o MPMG, o novo projeto utilizará monitoramento por satélite do MapBiomas Alerta para identificar áreas com atividades de desmatamento ilegal. A partir desses alertas, as informações serão cruzadas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) para identificar eventuais irregularidades.

Após a identificação de irregularidades, as ações de fiscalização serão realizadas por órgãos ambientais e polícias ambientais, utilizando tanto abordagens presenciais quanto ferramentas de fiscalização remota. Caso irregularidades sejam confirmadas, o Ministério Público tomará medidas extrajudiciais e judiciais para garantir a reparação dos danos ambientais e a responsabilização dos infratores, incluindo os prejuízos ao equilíbrio climático.
Ao final de cada operação, será apresentado um balanço das áreas fiscalizadas, do número de processos instaurados e do total de multas aplicadas.
Importância da Caatinga em Relação às Mudanças Climáticas
A Caatinga desempenha um papel essencial no sequestro de carbono. Como um sumidouro natural, ela captura dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera, mesmo durante períodos de seca. Um estudo do Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC) demonstrou que esse bioma é um dos mais eficientes do mundo na armazenagem de carbono, superando até mesmo as florestas da Amazônia em certas condições climáticas.
Conforme indicado pelo mesmo estudo, a Caatinga remove, anualmente, em média, 5,2 toneladas de carbono por hectare, o que equivale a 527 gramas por metro quadrado. A destruição de vegetação nativa compromete essa capacidade, contribuindo para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e, por consequência, intensificando as mudanças climáticas.