Fruta pouco conhecida do Cerrado é rica em compostos nutricionais
A mama-cadela é uma fruta nativa do Brasil que faz parte de uma gama de espécies ainda pouco valorizadas dentro da biodiversidade nacional. Esta fruta, típica do Cerrado, apresenta uma coloração que varia entre o amarelo e o laranja, é de tamanho pequeno e tem uma polpa doce e fibrosa. Devido a essas características, ela é carinhosamente chamada de “chicletinho do Cerrado”.
Embora seu nome chame a atenção, o que realmente intrigou Grazieli Pascoal, nutricionista e professora do curso de Nutrição na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi a escassez de informações sobre a composição desta fruta. Motivada pela falta de dados, ela decidiu explorar as propriedades nutricionais da mama-cadela durante seu pós-doutorado. Grazieli destaca que o projeto surgiu com a intenção de resgatar saberes e promover o reconhecimento de frutos que permanecem desconhecidos e negligenciados pela população.
Uma das principais descobertas da pesquisa, realizada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP), identificou que a mama-cadela é particularmente rica em compostos bioativos, além de carotenoides e fibras, substâncias que, embora não sejam classificadas como nutrientes essenciais, oferecem diversos benefícios à saúde, pois possuem propriedades antioxidantes.
As amostras da fruta foram coletadas em Uberlândia, em Minas Gerais, por um pequeno produtor, e foram levadas congeladas para São Paulo, onde a pesquisadora realizou uma série de análises que determinaram seus níveis de carboidratos, gorduras, proteínas, vitaminas, fibras, calorias e açúcares. Grazieli ressalta que a mama-cadela, quando incorporada em uma dieta balanceada, pode oferecer diversos benefícios, principalmente em relação ao seu alto conteúdo de vitamina A, na forma de equivalentes vitamínicos, fibras alimentares e vitamina C.
O resultado do estudo foi publicado recentemente no Journal of the Brazilian Chemical Society. Um resumo da pesquisa foi apresentado durante a 24ª Semana Farmacêutica de Ciência e Tecnologia da FCF, em 2021, ocasião em que Grazieli foi reconhecida com uma menção honrosa por seu trabalho.
Composição nutricional e importância das vitaminas
A vitamina A, também conhecida como retinol, é uma substância que se encontra exclusivamente em alimentos de origem animal. Contudo, frutas, legumes e verduras são ricos em carotenoides, que são precursores da vitamina A. Após a ingestão, esses compostos são convertidos em vitamina A no organismo e exercem funções semelhantes. Dentre os carotenoides presentes na mama-cadela, o betacaroteno é o mais abundante, responsável pela coloração alaranjada da fruta e fundamental para a saúde ocular.
Uma porção de mama-cadela, equivalente a seis unidades, atende a mais de 60% da ingestão diária recomendada de vitamina A, valor próximo ao da cenoura. Além disso, a fruta é considerada uma boa fonte de vitamina C, conhecida por suas propriedades antioxidantes e pelo auxílio na absorção de ferro. A quantidade de vitamina C presente nesta porção é equivalente à contida em um quarto de laranja, atendendo até 18% das recomendações diárias para mulheres adultas.
A mama-cadela também se destaca por seu conteúdo de fibras, importantíssimas para a saúde do sistema gastrointestinal e para a microbiota intestinal, representando 10% da ingestão diária recomendada para adultos. Assim como outras frutas, a mama-cadela possui baixa densidade calórica, ou seja, contém poucas calorias para cada grama consumido.
Com os dados obtidos sobre a composição nutricional da mama-cadela, Grazieli Pascoal almeja que haja um maior reconhecimento da fruta e dos alimentos nativos como parte cultural e patrimônio alimentício. “A finalidade é resgatar os conhecimentos sobre essas plantas e evidenciar a riqueza do nosso bioma, bem como saberes da nossa cultura alimentar”, destaca.
Caminhos para uma alimentação mais diversificada
Nos últimos anos, observou-se um aumento no consumo de alimentos ultraprocessados pelos brasileiros e uma diminuição no consumo de itens in natura, o que gera consequências para a saúde. Dados do Ministério da Saúde revelam que, em 2019, mais de 50% das mortes no Brasil ocorreram devido a doenças crônicas.
“Nosso padrão alimentar é bastante monótono”, alega Grazieli, ressaltando que muitas vezes consumimos os mesmos tipos de vegetais e frutas, esquecendo alimentos que fazem parte de nossa cultura alimentar. A importância do reconhecimento desses alimentos é evidente, também como um caminho para direcionar políticas públicas que valorizem a diversidade cultural alimentar, segundo o professor Eduardo Purgatto, mentor do estudo.
Além disso, os pesquisadores se preocupam com os pequenos produtores, uma vez que a dificuldade de escoamento dos produtos muitas vezes leva os agricultores a optarem por cultivar alimentos mais tradicionais. Tanto Grazieli como Purgatto apontam a falta de políticas públicas que abordem esses desafios.
Além da análise nutricional da mama-cadela, Grazieli está envolvida na criação de uma tabela que abordar a biodiversidade brasileira, denominada Tabela de Composição de Alimentos Regionais e da Biodiversidade Brasileira, junto ao Centro de Incubação de Empreendimentos Populares Solidários (Cieps) na Faculdade de Medicina da UFU, que incluirá informações sobre a mama-cadela.
O artigo intitulado Metabolomic Approach Reveals the Nutritional Potential of Brosimum gaudichaudii, an Underexploited Native Brazilian Fruit pode ser acessado neste link.
