Nas margens do Rio Aripuanã, um curso d’água que dá nome a uma cidade pequena na região amazônica do Mato Grosso, há um histórico de conflitos entre indígenas e trabalhadores do setor de extração de borracha. Contudo, esse cenário transformou-se ao longo dos anos. No presente, as comunidades indígenas e tradicionais se uniram em prol de um objetivo comum: o desenvolvimento sustentável, tendo a bioeconomia como pilar fundamental dessa jornada.
Everaldo Dutra, que é filho de seringueiros e assume a liderança do projeto Biodiverso, compartilha que a iniciativa nasceu dos antigos esforços conhecidos como Pacto das Águas, que tiveram início na década de 90. O nome do projeto é um reflexo da colaboração entre os indígenas e extrativistas, buscando a conservação dos rios e dos territórios que habitam.
Durante uma visita à Aldeia Pé de Mutum, Everaldo, juntamente com uma equipe de jornalistas e membros do projeto Biodiverso, teve a oportunidade de aprender com Donato Bibitata, um experiente morador de 67 anos. Donato demonstrou a técnica indígena de extração de látex da seringueira, evitando danos à árvore. “Nós não nos separamos da floresta. Se a floresta sofre, nós também sofremos. Portanto, queremos compartilhar práticas que favoreçam o manejo sustentável da seringueira”, disse Donato.
Essa relação com as seringueiras é algo mais profundo para Donato, que pertence ao povo Rikbaktsa. Essa comunidade é composta por 34 aldeias, distribuídas entre duas terras indígenas: Erikbaktsa e Japuíra. O cultivo sustentável dessas árvores tem sido uma resposta direta à necessidade de novas fontes de renda nas comunidades, uma vez que a pesca e a caça, outrora abundantes, têm diminuído consideravelmente ao longo dos anos. Animais, como a anta e o cateto, estão migrando para áreas agrícolas em busca de comida, enquanto os rios sofrem com a diminuição de sua água devido à irrigação e a poluição provocada pelo uso de agrotóxicos, afetando a fauna aquática.
Com a deterioração de recursos naturais, as comunidades precisam adotar novas estratégias de geração de renda, o que inclui a comercialização de látex, artesanato e castanhas. Mesmo com as terras demarcadas, o povo Rikbaktsa enfrenta ameaças constantes provocadas pela expansão da agropecuária que circunda seus territórios.
O projeto Biodiverso é ativo em seis localidades na região, abrangendo cinco aldeias e uma reserva extrativista. Sávio Gomes, coordenador do projeto, que também vem de uma comunidade de seringueiros, decidiu atuar em prol da preservação ao observar amigos se deslocando para atividades de garimpo. “Eu passei dois anos com o povo Rikbaktsa, em Beira Rio e Pé de Mutum, e com eles aprendi sobre a conexão com a floresta e a vida que ela suporta”, relata Sávio.
O projeto Biodiverso foi selecionado em 2013, através de uma chamada do Programa Petrobras Socioambiental, o que possibilitou o trabalho em conjunto com a comunidade Rikbaktsa. As decisões no projeto são sempre consensuais, contando com a consulta de um conselho indígena sempre que uma nova etapa é iniciada, como a aquisição de novos equipamentos, que são discutidos em reuniões entre caciques de diferentes aldeias.
Para Lara Sousa Leandro, educadora ambiental na iniciativa, é essencial entender as necessidades da comunidade. “Tivemos uma iniciativa recente com um meliponário na aldeia Pé de Mutum, onde estamos incentivando as mulheres a criar abelhas sem ferrão, proporcionando uma nova fonte de renda”, explica Lara, referindo-se a um projeto iniciado há apenas um mês.
Mesmo em tempos adversos, o povo Rikbaktsa se recusa a permitir a exploração predatória de seus recursos. Com apoio de aliados como o projeto Biodiverso, eles buscam alternativas de renda que visam manter a floresta em pé.
As seringueiras e castanheiras são fundamentais nesse contexto, pois, além de contribuírem para a economia local, desempenham um papel ecológico crucial. Embora a madeira dessas árvores possa ser cortada e vendida, isso representa um benefício único e imediato, enquanto mantê-las em pé garante frutos, sombra e condições ambientais favoráveis de forma contínua.
Com o apoio do projeto Biodiverso, as comunidades indígenas estabeleceram parcerias que possibilitaram o fornecimento de látex para marcas comprometidas com a sustentabilidade, como a Veja, que utiliza esse material em seus produtos, como calçados. Recentemente, o projeto firmou um contrato com a Michelin, que assegurou a compra de toda a produção de látex. No entanto, o transporte dos produtos continua sendo um desafio devido ao difícil acesso às aldeias.
As demandas logísticas são complexas, exigindo a coleta de grandes quantidades de produto, que variam entre 30 e 40 toneladas, um trabalho que requer a colaboração de muitas pessoas na extração do látex, o que torna a operação logística ainda mais complicada devido à vasta área de atuação do projeto.
A equipe da Biodiverso trabalha em estreita colaboração com as aldeias, identificando oportunidades e compreendendo os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas, com o intuito de garantir que a bioeconomia beneficie o maior número possível de pessoas.
Na Aldeia Beira Rio, os anciãos expressaram o desejo de integrar seus membros ainda mais na cadeia de produção de borracha. Os cuidados detalhados com as necessidades das famílias são uma prioridade. Além das reformas necessárias, questões alimentares também precisam ser abordadas. Um componente importante dessa abordagem envolve capacitar a comunidade em práticas agroflorestais, uma iniciativa bem recebida pela população.
As mulheres da aldeia têm um papel crucial no ciclo da castanha, que acompanha os mesmos princípios da borracha em relação ao benefício da preservação. As castanhas do Brasil caem quando maturam, sendo coletadas pelas mulheres, que selecionam os melhores frutos. A produção de castanhas tem se ampliado, formando uma nova fonte de recursos. Com a implementação de um galpão e mesas de secagem, o produto pode ser vendido em melhor qualidade e gerando mais renda.
As mulheres também desempenham um papel de liderança vital na associação que cuida do beneficiamento. Luciente Rikbaktsa, presidenta da Associação de Mulheres da Aldeia Barranco Vermelho, destaca que, ao promover a autonomia financeira, as mulheres estão conquistando um espaço mais significativo nas atividades da comunidade.
A prática do artesanato por seus membros, predominantemente mulheres, contribui para a identidade cultural e a geração de renda. Utilizando algodão colhido localmente, produzem peças que têm um valor simbólico importante, refletindo suas tradições. A comercialização dessas peças, especialmente fora das aldeias, enfrenta desafios em termos de logística, mas os esforços estão sendo feitos para superar essas barreiras.
Em suma, as comunidades indígenas do povo Rikbaktsa estão em um caminho de resiliência, demonstrando que é possível conciliar desenvolvimento econômico com a preservação de suas identidades, tradições e modos de vida. O projeto Biodiverso tem sido um alicerce essencial nessa busca, promovendo uma conexão saudável entre o homem e a floresta, e garantindo um futuro mais promissor para essas comunidades.