Uma nova investigação científica, publicada na revista The Lancet Planetary Health, revela que a capacidade do planeta de sustentar um padrão básico de vida para todos poderá ser ameaçada a menos que ocorra uma transformação significativa nos sistemas econômicos e nas tecnologias contemporâneas, além de uma gestão mais equitativa e justa dos recursos naturais. O estudo enfatiza que a sobrecarga nos recursos naturais é alarmante e crescente.
A pesquisa indica que o conceito de “Espaço Seguro e Justo” — que se refere às condições necessárias para que todos tenham acesso a recursos essenciais sem comprometer o meio ambiente — está encolhendo rapidamente devido ao aumento da desigualdade social.
O relatório foi coautorado por mais de sessenta cientistas que fazem parte da Earth Commission, uma entidade científica internacional coordenada pelo Future Earth e pela Global Commons Alliance. O trabalho é liderado pelos acadêmicos Joyeeta Gupta, Xuemei Bai e Diana Liverman, e se baseia nos Limites do Sistema Terrestre Seguro e Justo, publicados na Nature no ano anterior. Esses limites demonstraram que muitos parâmetros essenciais para a saúde do planeta já foram superados.
“O estudo evidencia que a justiça é um requisito fundamental para a segurança do planeta e da população. Ele analisa os riscos associados ao potencial agravamento do colapso dos sistemas naturais, e os danos que as comunidades estão experienciando, além de buscar soluções para uma distribuição equitativa dos recursos”, afirma Johan Rockström, co-presidente da Earth Commission.
Espaço Seguro e Justo em Declínio
O relatório caracteriza o “Espaço Seguro e Justo” como a zona na qual os danos aos seres humanos e ao ambiente podem ser minimizados, garantindo que todos sejam atendidos adequadamente. Esta é a primeira vez que os pesquisadores demonstram quantitativamente a necessidade de um planeta estável e uma distribuição equitativa dos recursos nas mesmas medidas, sublinhando que a justiça é uma condição essencial para a segurança planetária e humana.
“Esta é a primeira oportunidade em que os cientistas conseguiram quantificar segurança e justiça usando a mesma medida, o que nos ajuda a traçar um caminho para um futuro estável onde todos possam prosperar. Comunidades em diferentes níveis de riqueza ao redor do mundo já são vulneráveis e se tornarão ainda mais expostas. Entretanto, temos uma janela de oportunidade para agir e alterar este curso”, alerta Rockström.
Os Limites do Sistema Terrestre, publicados anteriormente, representam o “teto” para a extração de recursos naturais e a poluição provocada pela ação humana. Dentro desses limites, os sistemas terrestres têm a capacidade de se manterem estáveis e resilientes, proporcionando segurança à população contra possíveis danos.
Agora, os cientistas incorporaram uma nova perspectiva ao mostrar que a humanidade depende destes sistemas para viver de maneira livre da pobreza. Pela primeira vez, a segurança (um planeta estável) e a justiça (proteção contra danos) foram quantificadas nas mesmas unidades, ressaltando a indispensabilidade da justiça para a segurança, tanto da Terra quanto da humanidade.
As projeções para 2050 indicam que o Espaço Seguro e Justo continuará a diminuir caso não haja iniciativas urgentes. De acordo com o cenário atual, sem mudanças significativas, é previsto que até 2050 o planeta não terá mais um espaço seguro e justo. Mesmo que todos os habitantes do planeta tenham acesso ao mínimo necessário para uma vida digna, ainda assim enfrentaremos sérios problemas relacionados às mudanças climáticas.
Os sistemas naturais correm o risco de atravessar pontos de inflexão críticos que poderiam resultar em danos ainda mais severos às populações ao redor do mundo, a menos que haja uma transformação urgente nos sistemas de energia, alimento e urbanização.
A pesquisa ainda concluiu que as desigualdades e o uso excessivo de recursos finitos por uma minoria são fatores principais que contribuem para a redução desse espaço seguro e justo. Garantir recursos mínimos às pessoas que atualmente não têm o suficiente exerceria uma pressão muito menor sobre os sistemas terrestres do que a pressão já imposta pela minoria que consome recursos em excesso.
Além disso, a investigação examinou quais regiões do planeta ultrapassaram os limites do Espaço Seguro e Justo e sobrepôs essas informações com dados sobre a população vivendo em pobreza e exposta a riscos decorrentes de mudanças climáticas, perda de biodiversidade, poluição e escassez hídrica. Os resultados mostram que as comunidades já vulneráveis são frequentemente as mais impactadas pelas alterações nos sistemas terrestres que afetam a saúde de pessoas e ecossistemas — e todos, incluindo os mais ricos, estão em risco. O Brasil está entre os países mencionados.
Consequências Específicas Para o Brasil
O estudo ressalta várias áreas críticas que afetam o Brasil:
- Biodiversidade: Aproximadamente 21 milhões de brasileiros habitam regiões com capacidade reduzida para fornecer serviços ecossistêmicos importantes, isso se deve a práticas que superam os limites seguros para a integridade da biosfera. Serviços como polinização, controle de pragas e regulação da qualidade da água estão em risco, impactando diretamente a qualidade de vida da população.
- Clima: O Brasil figura entre os países mais vulneráveis ao aumento do nível do mar e a temperaturas extremas. Obrigações para estabilizar a temperatura em até 2°C até 2100 poderiam expor cerca de 15 milhões de brasileiros ao aumento do nível do mar. Com um aumento da temperatura de 1,5°C, aproximados 500.000 indivíduos estariam expostos a temperaturas médias anuais que ultrapassam limites históricos seguros.
- Nutrientes: Em torno de 126 milhões de brasileiros enfrentam níveis inseguros de nitrogênio em excesso, e 143 milhões lidam com níveis elevados de fósforo. Este excesso de nutrientes provoca complicações como a eutrofização de corpos d’água e a contaminação da água potável, impactando negativamente a saúde pública e os ecossistemas.
- Poluição do Ar: Cerca de 79 milhões de cidadãos brasileiros residem em áreas onde a poluição por material particulado (PM2.5) excede limites considerados seguros, sendo uma das principais ameaças à saúde pública, afetando a qualidade do solo, da água e do clima.
- Água: No Brasil, aproximadamente 39 milhões de pessoas vivem em condições inseguras em relação à água superficial e 199 milhões em relação à água subterrânea. A má gestão dos recursos hídricos compromete a disponibilidade de água para consumo e prejudica a saúde dos ecossistemas aquáticos.
Medidas Urgentes Necessárias
Para que tanto o Brasil quanto o mundo consigam alcançar e manter o Espaço Seguro e Justo, o relatório sugere transformações em três áreas principais:
- Coordenação Adequada: Um esforço bem programado e deliberado entre formuladores de políticas, empresas, sociedade civil e comunidades pode facilitar mudanças na maneira como gerimos a economia e implementar novas políticas e mecanismos de financiamento que tratem da desigualdade, enquanto diminuem a pressão sobre a natureza e o clima.
- Gestão Eficiente de Recursos: A gestão, compartilhamento e utilização mais eficaz dos recursos em todos os níveis da sociedade é crucial para a transformação — incluindo o combate ao consumo excessivo por algumas comunidades, que por sua vez limita o acesso aos recursos essenciais para aqueles que mais necessitam.
- Investimento em Tecnologias Sustentáveis: Investir em tecnologias que sejam sustentáveis e acessíveis é fundamental para reduzir o uso de recursos e reabrir o Espaço Seguro e Justo para todos — especialmente em regiões que já estão com pouco ou nenhum espaço disponível.