Brasil será julgado por mortes de 96 bebês em Cabo Frio
Em um evento marcante para o sistema judiciário brasileiro, o país está prestes a se apresentar no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O julgamento, marcado para 26 de setembro, abordará um dos episódios mais trágicos da saúde neonatal no Brasil: a morte de 96 bebês entre 1996 e 1997 na Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel), localizada em Cabo Frio.
Denúncias e Impunidade
A clínica, que recebia recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), enfrenta acusações de negligência médica e má-conduta sanitária, alegações sustentadas por laudos técnicos e periciais que apontam falhas graves na prestação de serviços. As mortes foram inicialmente denunciadas ao Ministério Público do Rio por familiares das vítimas em 1997. Apesar das evidências, nenhuma ação judicial levou à condenação dos profissionais envolvidos ou da gestão da unidade.
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Estado brasileiro falhou em investigar adequadamente as mortes e permitiu que a clínica continuasse funcionando mesmo após as denúncias. Em um comunicado, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania prometeu cumprir integralmente a decisão da Corte, caso o Brasil seja condenado, incluindo indenizações às famílias, assistência psicológica e reabertura das investigações.
Evidências Alarmantes
Um dos pontos mais críticos no caso é a presença da bactéria Klebsiella pneumoniae em muitos recém-nascidos internados, inclusive em bebês que nasceram saudáveis. Relatórios técnicos também indicam superlotação, internações desnecessárias, falta de higiene, compartilhamento de jalecos e ausência de protocolos sanitários adequados. O Instituto Fernandes Figueira, parte da Fiocruz, confirmou que o número de mortes foi “totalmente anormal” e resultou de infecção generalizada.
Apesar das evidências, a Justiça estadual absolveu os oito médicos acusados. O processo criminal se prolongou por mais de uma década, culminando em uma decisão do Tribunal de Justiça em 2005 que confirmou as absolvições. Para a CIDH, a resposta do Estado brasileiro foi insuficiente em termos de garantir justiça, transparência e reparação.
Impacto e Repercussão
A tragédia de Cabo Frio não é um caso isolado. Durante o mesmo período, outras unidades de terapia intensiva neonatal no estado do Rio de Janeiro também foram alvo de denúncias semelhantes de infecção e superlotação. Em uma ação relacionada, o então ministro da Saúde, José Serra, exonerou o diretor do Hospital Geral de Bonsucesso após a morte de sete bebês em condições semelhantes. No entanto, a Clipel continuou suas operações apesar das suspeitas.
Para as famílias, o julgamento internacional representa uma oportunidade de finalmente ver o Estado brasileiro responsabilizado pelo que chamam de “crime institucional contra recém-nascidos”. Uma das mães das vítimas, que prefere manter o anonimato, expressou sua frustração: “Somos um grupo de mães e pais denunciando o Estado por esconder o que chamaram de açougue humano. E agora, depois de quase 30 anos, querem defender o indefensável com um batalhão de advogados.”
Próximos Passos
A expectativa em relação ao julgamento é alta, pois poderá estabelecer um precedente significativo no tratamento de casos de direitos humanos relacionados à saúde no Brasil. Para as famílias das vítimas, há esperança de que o reconhecimento oficial do Estado possa trazer algum alívio e justiça.
A Clipel, por meio de nota, declarou discordar das acusações e ressaltou que seus médicos foram inocentados na Justiça estadual, considerando “arbitrária” a possibilidade de condenação internacional. O desfecho deste julgamento poderá ter implicações de longo alcance, tanto para as práticas de saúde quanto para a responsabilização do Estado em casos de negligência sistêmica.
Fonte da Notícia: Plantão Guia Região dos Lagos








