Jovens Agricultores Inovam com Sistemas Agroflorestais

No oeste de Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela, uma iniciativa inovadora de uma jovem de 23 anos trouxe resultados promissores, alcançando cafés de excelência através de sistemas agroflorestais (SAF). Ana Karoliny Calleri, da comunidade indígena Kawê, localizada em Pacaraima, utilizou essa técnica para cultivar café arábica, obtendo um produto de qualidade superior, já certificado de origem e comercializado em estabelecimentos de prestígio no estado.
Em Rondônia, no município de São Miguel do Guaporé, o jovem Willians Santana implementou o SAF para a produção de frutas nativas combinado com a cafeicultura, notando uma maior resiliência climática em sua produção. “Estamos nos recuperando de um período seco, e a diferença foi perceptível nas áreas onde introduzimos o SAF e o reflorestamento”, afirma. Ele detalha que as áreas sombreadas proporcionam temperaturas mais amenas, estabelecendo um equilíbrio ecológico significativo.
No Pará, os SAFs estão promovendo uma transformação na tradicional comunidade de origem japonesa que compõe a CAMTA (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé Açu), conhecida pela produção de pimenta-do-reino. As novas gerações preservam o cultivo da pimenta enquanto diversificam suas lavouras e adotam práticas mais sustentáveis, como os SAFs. A jovem Patricia Mie Suzuki, doutoranda em Engenharia Florestal e herdeira da propriedade Casa Suzuki — com 400 hectares — participa da consorciação do dendezeiro com 15 espécies nativas, incluindo cacau, açaí, andiroba e ipê rosa, entre outros.

Esses jovens agricultores locais partilham uma meta comum: criar modelos de produção mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas, minimizando os impactos ao meio ambiente. Gleici Maria Pereira Alves, que vive com sua família em um sítio de um hectare na Comunidade Água Limpa, no Vale do Jequitinhonha, escolheu o sistema de plantio direto (SPD) para suas atividades. Gleici e seu marido produzem pitaya, banana, abacaxi, milho e mamão através do SPD e aspire ser a maior produtora da técnica na região, com planos de expandi-la em 2025 e auxiliar outros produtores a adotarem os mesmos métodos.

Gleici, Patricia, Willians e Ana Karoliny são alguns dos jovens agricultores que decidiram compartilhar suas experiências positivas em mídias sociais, em um esforço de conexão com outros jovens. Eles se uniram na campanha Mãos da Transição, buscando demonstrar que práticas agrícolas responsáveis, como agroecologia e recuperação de pastagens degradadas, são viáveis e trazem bons resultados em produtividade e renda. A campanha já registrou as histórias de sete jovens produtores de diferentes estados da Amazônia e do Cerrado.

Esses agricultores familiares, que lidam com pequenas propriedades que variam a partir de um hectare, produzem uma variedade de produtos, como gado, frutas e legumes. Todos aplicam técnicas sustentáveis e compartilham suas histórias em vídeos, que são um formato popular nas redes sociais. A campanha também ressalta atividades de capacitação e fortalecimento de organizações ligadas à agricultura familiar e à alimentação no Cerrado, para que consigam disseminar essas práticas sustentáveis.
“Queremos engajar tanto os produtores rurais quanto as organizações que os representam, além do governo, que desempenha um papel essencial nas políticas focadas na agricultura familiar”, afirmou Karina Yamamoto, diretora-associada de Campanhas da Purpose. Ela salienta que o primeiro passo é vencer a desconfiança e demonstrar que práticas sustentáveis não só ajudam o meio ambiente, mas também elevam a produtividade e a renda dos agricultores, contribuindo para a resiliência dessas práticas frente às mudanças climáticas.”

O fortalecimento da agricultura familiar é fundamental para a segurança alimentar no Brasil, uma vez que a maioria dos alimentos consumidos, como feijão, arroz, milho, leite, batata e mandioca, provenientes de sistemas familiares, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao tornar as práticas produtivas mais resistentes e adaptadas ao clima, contribuímos para uma menor vulnerabilidade à inflação dos alimentos, que geralmente resulta da quebra das safras, frequentemente motivadas por eventos climáticos extremos.

As Nações Unidas afirmam que mais de 90% das 570 milhões de propriedades rurais no mundo são administradas por indivíduos ou famílias e dependem essencialmente de trabalho familiar. Embora a maioria dessas propriedades seja pequena ou muito pequena — 84% têm menos de 2 hectares, ocupando apenas 12% de toda a terra agrícola — elas representam mais de 80% da produção de alimentos globalmente, confirmando a importância central da agricultura familiar na segurança alimentar.

A secretária de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), Sandra Paula Bonetti, acredita que a transição agroecológica, por meio de boas práticas, será impulsionada pela força jovem do campo, das florestas e das águas. “É essencial fortalecer aqueles que produzem alimentos para garantir qualidade de vida, desenvolvimento rural e a oferta de alimentos saudáveis para o futuro. A juventude rural é a força que une o conhecimento, a tecnologia e as boas práticas para um desenvolvimento sustentável e solidário”, destacou.

O projeto colaborativo e participativo envolve uma aliança entre a CONTAG, a UNICAFES (União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária) e o Laboratório do Clima da Purpose.
SAFs Promovem Produtividade e Sustentabilidade

Os SAFs, nos quais são cultivadas diversas espécies ao lado de árvores nativas e plantas agrícolas, oferecem benefícios significativos, como maior resiliência a eventos climáticos adversos, aumento da biodiversidade e sustentabilidade a longo prazo em comparação aos métodos tradicionais de monocultura. Esses sistemas contribuem para a saúde do solo, minimizam a erosão e promovem microclimas mais estáveis.

Os SAFs também têm o efeito de sequestrar mais carbono e apoiar a biodiversidade, contribuindo indiretamente para a produtividade ao melhorar os serviços ecossistêmicos, como controle de pragas e polinização, diminuindo assim a necessidade de insumos. A convivência de várias espécies atua como um controle natural contra pragas e doenças, uma vez que muitas eram específicas a determinadas plantações. Além disso, o cultivo de árvores melhora a qualidade do solo e da água, além de ajudar na adaptação às mudanças climáticas.
Do ponto de vista econômico, sistemas agroflorestais diversificados reduzem a dependência exclusiva de uma única plantação, tornando os agricultores menos vulneráveis às variações do mercado ou ao fracasso das safras. Essa diversificação também favorece o fluxo de caixa com a possibilidade de vender produtos em diferentes épocas do ano, de acordo com as culturas plantadas.

Plantio Direto como Solução Eficiente
Adotado há 50 anos no Brasil por grandes e médios produtores de commodities, o sistema de plantio direto (SPD) também está sendo abraçado por pequenos agricultores familiares. A prática de plantar diretamente sobre a palhada da lavoura anterior, combinada com rotação de culturas, traz benefícios tanto ao meio ambiente quanto à economia. O SPD reduz os custos da produção agrícola, melhora a infiltração e a retenção de água no solo, e previne a erosão e a perda de nutrientes em decorrência de chuvas intensas. Essa técnica ajuda ainda a evitar o assoreamento dos rios e enriquece o solo, preservando a matéria orgânica por mais tempo e diminuindo a compactação. Esses benefícios repercutem no ambiente e no clima, reduzindo a movimentação de solo e máquinas que geram emissões de gases de efeito estufa, além de favorecer a captura de carbono pelo solo.

Os benefícios do SPD fizeram com que essa técnica fosse reconhecida como uma das “abordagens inovadoras” pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) na sua estratégia de mudança climática de 2022-2031. O SPD também é mencionado no programa RenovAgro, que oferece linhas de financiamento diferenciadas, com a meta de que sua utilização alcance 75% da área plantada no Brasil até 2030.

Mesmo sendo uma solução adequada para os desafios atuais da agricultura, o plantio direto foi desenvolvido na década de 1940 nos Estados Unidos e chegou ao Brasil há mais de meio século, trazido por um produtor de Rolândia (PR) que buscava resolver problemas de erosão em épocas chuvosas. Na década de 1970, ele conheceu a técnica e começou a testá-la.

Enquanto os dados sobre as áreas cultivadas com plantio direto no Brasil variam de 30 a mais de 40 milhões de hectares, conforme a fonte consultada, é certo que a maioria é ocupada por commodities agrícolas. Aos poucos, os pequenos agricultores estão começando a perceber as vantagens do SPD. Estudo da Embrapa revelou que essa técnica pode aumentar 50% a produtividade na cultura da mandioca.
Agroecologia e a Permanência dos Jovens no Campo

Um relatório sobre indicadores agroecológicos na América Latina, que está em andamento desde 2020, mostra que 55,6% das unidades agrícolas que adotaram práticas agroecológicas têm jovens entre 14 e 29 anos. Dos jovens entrevistados, 70,4% expressaram interesse em continuar a trabalhar com a agroecologia. O estudo também observa que a autonomia financeira está fortemente ligada ao interesse dos jovens em permanecer na agroecologia.
