Inicia-se no dia 21 de outubro, em Cali, Colômbia, a 16ª Conferência das Partes (COP) sobre Biodiversidade, cujo objetivo é avaliar o progresso feito até agora em relação às metas do Marco Global de Biodiversity (GBF, na sigla em inglês). Este marco estabelece 23 metas a serem alcançadas até 2030, tornando assim os próximos seis anos cruciais para o futuro ambiental do planeta, além de estabelecer quatro objetivos gerais a serem cumpridos até 2050.
Após anos de negociações em busca de um acordo global para reverter a acentuada perda de biodiversidade, esta será a primeira conferência em que os países discutirão a implementação das resoluções acordadas no GBF. O foco principal do encontro será garantir que as diretrizes estabelecidas sejam efetivamente colocadas em prática.
“A COP16 marca a transição de discussões sobre acordos para ações concretas de implementação. No entanto, implementar significa também dispor de recursos financeiros, técnicos e humanos, o que é essencial para desenvolver ações ao longo dos próximos cinco anos, período crítico para revertê-la queda da biodiversidade no planeta”, enfatiza Mauricio Voivodic, Diretor-executivo do WWF-Brasil.
Recentemente, o WWF apresentou sua mais nova atualização do Relatório Planeta Vivo, que revela que, em um período de 50 anos (de 1970 a 2020), houve uma redução alarmante de 73% nas populações médias de vida selvagem monitoradas. O relatório adverte que estamos nos aproximando de pontos críticos que podem representar sérios riscos para a humanidade.
Os autores ressaltam a necessidade urgente de um esforço conjunto nos próximos cinco anos para enfrentar as crises climática e de biodiversidade.
“Falar em biodiversidade implica também reconhecer e fortalecer o papel fundamental de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na conservação. É vital que os Estados desenvolvam mecanismos que garantam o acesso dessas populações a recursos financeiros e técnicos para suas iniciativas que promovam a conservação e a gestão sustentável”, destaca Voivodic.
Diretrizes do WWF-Brasil
O WWF-Brasil sugere que o Brasil, um dos países com a biodiversidade mais rica do mundo, reitere seu apoio às metas do Marco Global, buscando liderar uma perspectiva equilibrada entre os objetivos da Convenção de Biodiversidade, que envolvem conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios derivados de conhecimentos tradicionais e financiamento, sempre em consonância com a proteção e recuperação de ecossistemas essenciais e conservação da biodiversidade.
“O Brasil possui uma voz proeminente na comunidade internacional, especialmente em relação aos países em desenvolvimento, que dependem de recursos externos para implementar seus planos ambientais. Dessa forma, é crucial que o Brasil mantenha uma posição firme em prol das nações mais vulneráveis, a fim de desbloquear um dos aspectos críticos desta conferência: o financiamento dos compromissos propostos”, acrescenta Michel Santos, Gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
A expectativa do WWF-Brasil é que os países se comprometam a integrar as metas globais de biodiversidade em suas políticas e estratégias nacionais existentes, criando uma abordagem coesa e eficaz que una as questões climáticas e de biodiversidade, por meio de sua inclusão em novos compromissos voluntariamente determinados (NDC) que devem ser apresentados na Convenção do Clima da ONU.
Papel da Restauração
A restauração de ecossistemas é primordial para reverter a perda de biodiversidade, melhorar serviços ecossistêmicos, garantir meios de subsistência sustentáveis e colaborar com a mitigação das mudanças climáticas. Por isso, o WWF-Brasil incentiva que essa prática seja tratada como uma prioridade na implementação do GBF, além da Meta 2 (que prevê a restauração de 30% de todos os ecossistemas degradados), promovendo-a como uma agenda abrangente para unir compromissos globais em biodiversidade, clima e desertificação.
No entanto, para muitos países, assumir e implementar compromissos para reverter a perda de biodiversidade requer agilidade, clareza e segurança no financiamento.
Atenção ao Brasil
De acordo com Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, que tem acompanhado os encontros da ONU sobre biodiversidade, “o Brasil será alvo de intensa atenção por parte das outras nações, considerando a relevância deste acordo para o nosso país, que abriga biomas com significativa representatividade na biodiversidade global. O Cerrado, por exemplo, contém cerca de 5% de toda a biodiversidade do planeta, enquanto a Amazônia, outro bioma de extrema importância climática, abriga mais 10% da diversidade global de espécies.
Estado atual e perspectivas
A COP15 sobre Biodiversidade constituiu um marco ao adotar uma Estrutura de Monitoramento Global ainda em desenvolvimento, que define indicadores para medir o progresso em relação ao GBF. Contudo, o documento que será analisado na COP16 apresenta lacunas significativas, especialmente nos indicadores principais que todos os países devem reportar. O WWF-Brasil solicita que os participantes adotem indicadores-chave para todas as metas que atualmente não possuem métodos de avaliação, pois algumas das 23 metas do GBF ainda carecem de indicadores definidos.
Ademais, na COP15, começou a negociação sobre o Programa de Trabalho sobre Uso Sustentável da Biodiversidade Marinha e Costeira da CDB, visando sua incorporação integral ao GBF, e continuou o trabalho de descrição e/ou modificação das Áreas Marinhas Ecologicamente ou Biologicamente Significativas (EBSAs). O WWF-Brasil encoraja a finalização desses documentos na COP16 e a adição de indicadores adequados ao monitoramento da biodiversidade marinha e costeira.
Planos nacionais para biodiversidade
O encontro em Cali será uma oportunidade importante para observar e avaliar as Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (EPANB), também conhecidos como NBSAP. Uma análise fundamental será verificar se as NBSAPs apresentadas por diferentes países têm a ambição necessária para enfrentar os desafios globais de conservação da biodiversidade e se garantem, de maneira coletiva, o alcance das metas estabelecidas no GBF. No entanto, até o momento, isso não se revela como uma tendência observada.
Uma avaliação realizada pelo WWF indica que a maioria dos países ainda não está cumprindo plenamente seus compromissos para interromper e reverter a perda de biodiversidade até 2030. Com poucos dias até o início da conferência, apenas pouco mais de 20 NBSAPs (representando cerca de 10% dos países) foram revisadas, juntamente com cerca de 60 metas nacionais publicadas. O Brasil está entre os países que ainda não apresentaram sua estratégia e plano de ação nacional em biodiversidade.
A análise do WWF também revela que as metas nacionais propostas por 33% dos países carecem de clareza e consistência na medição do progresso. Sem essas métricas, há um risco significativo de falta de responsabilização durante a implementação das estratégias — um problema que se destacou nas Metas de Aichi entre 2011 e 2020.
Outro desafio que se destaca é o engajamento ineficaz entre diferentes órgãos governamentais. Simplesmente contar com os ministérios do meio ambiente não é suficiente para promover as transformações sociais necessárias; isso requer a participação ativa de todos os setores do governo e da economia.
O temor é que os planos não consigam influenciar a política de forma apropriada nos próximos cinco anos, especialmente em relação ao redirecionamento dos US$ 500 bilhões anuais em subsídios que têm impacto nocivo sobre a natureza, o que os países se comprometeram a reduzir.
Carta aos negociadores da COP16
Uma carta com solicitações a serem levadas em conta pelos negociadores da COP16 foi preparada pelo Instituto ClimaInfo e pela plataforma “Periodistas por El Planeta”, que tem o intuito de promover uma narrativa renovada sobre a crise climática na América Latina. As assinaturas são coletadas online e podem ser acessadas no site ofuturoenosso.com.
Segue o conteúdo completo do documento:
“A vida na Terra é interconectada. As árvores e plantações existem devido à chuva, que depende das flores: o perfume delas se transforma nas sementes de futuras chuvas. Nós existimos porque outros existem, e todos somos parte da mesma tapeçaria que pulsa e respira em meio a diversas paisagens.
Essa tapeçaria é a natureza. A nossa vida depende da biodiversidade. Contudo, esse rico sistema de vida está sob ameaça:
- Um milhão de espécies encontram-se em risco de extinção, sendo a destruição em larga escala das florestas na América Latina um dos fatores principais.
- As florestas latino-americanas, como a Amazônia, o Gran Chaco, a Mata Atlântica, os Yungas, Chiquitanía, Chocó, Chiapas, e as cinco florestas da América Central, perderam uma quantidade tão significativa de sua área que se encontram à beira do colapso.
- A queima de combustíveis fósseis não só agrava a mudança climática, mas poderá levar esses preciosos ecossistemas, fundamentais para a vida, a um ponto sem retorno.
O que ocorreria conosco se isso de fato acontecer? Nada de bom.
Por isso, nós gostaríamos de pedir três ações aos negociadores da biodiversidade e aos governos dos países latino-americanos:
- Acabar com o desmatamento e todas as formas de degradação ambiental.
- Romper com a dependência de combustíveis fósseis e ousar imaginar um futuro baseado no bem-estar, onde a transição energética para fontes renováveis seja a base.
- Promover a restauração ambiental, respeitando os direitos dos povos indígenas e comunidades locais.
A população aguarda que os negociadores reunidos em Cali estabeleçam uma nova relação harmoniosa com a natureza. Um compromisso duradouro é essencial. Hoje, a vida se apresenta como um tecido com buracos que devem ser costurados. Todos os países precisam se comprometer com essa tarefa. O momento de agir é agora, antes que se torne tarde demais. O futuro nos pertence.
Assine esta carta. Em defesa da felicidade e bem-estar de todos nós.”