Butão adota Felicidade Interna Bruta como medida de progresso

Butão
Butão, um país caracterizado pela fórmula de felicidade
O FIB, ou Índice de Felicidade Interna Bruta, é fundamental para os investimentos do governo do Butão. Foto: Pema Gyamtsho | Unsplash

Dinheiro é sinônimo de felicidade? A felicidade dos cidadãos influencia o desenvolvimento de um país? As respostas para ambas as perguntas são afirmativas. Embora a condição econômica de uma nação seja um fator relevante para a felicidade individual, não é o único aspecto a ser considerado. De fato, a felicidade das pessoas que habitam um determinado território pode servir como um indicador crucial para o desenvolvimento dessa área, através do FIB, ou Felicidade Interna Bruta, um índice adotado no Butão que efetivamente substitui o PIB (Produto Interno Bruto), que se limita a quantificar fatores econômicos.

Recentemente, Dasho Karma Ura, a principal figura do Centro de Estudos do Butão, esteve no Brasil para participar do I Fórum de Turismo e Sustentabilidade em Noronha, uma iniciativa promovida pela Aguama Ambiental, uma empresa que se dedica a projetos socioambientais nesse paraíso natural desde 2017.

A escolha de Karma Ura como destaque do evento reflete a convicção de que um desenvolvimento que considere a sustentabilidade deve se centrar nas necessidades e bem-estar das comunidades que habitam e cuidam dos locais onde estão inseridas.

Dasho Karma Ura, presidente do Centro de Estudos do Butão durante palestra
Dasho Karma Ura discursa sobre o Índice de Felicidade Interna Bruta na abertura do I Fórum de Sustentabilidade e Turismo em Fernando de Noronha. Foto: Aguama Ambiental

“Temos uma experiência de sete anos em ações ambientais em Fernando de Noronha. Neste ano, decidimos ampliar nossa atuação para agregar iniciativas que priorizem as pessoas que residem no arquipélago. Vamos desenvolver novos projetos, e a realização do Fórum está em linha com esse objetivo”, comentou Caio Queiroz, CEO da Aguama Ambiental.

Durante dois dias, o evento congregou representantes de diversas empresas e organizações já atuantes em Fernando de Noronha, além de especialistas e integrantes dos setores público e privado, que compartilharam experiências e conhecimentos, buscando soluções para o desenvolvimento sustentável da região. A palestra de abertura foi proferida pelo próprio Dasho Karma Ura, que cativou os presentes ao apresentar uma nova perspectiva sobre como perceber o lugar em que habitamos e as pessoas com quem convivemos.

“A escolha de Dasho Karma Ura para inaugurar o Fórum se deu porque suas lições estão muito alinhadas à proposta de colocar as pessoas, sua qualidade de vida e felicidade no centro das discussões. Sua apresentação coroa o trabalho que estamos realizando”, enfatizou Caio.

Ação de plantio promovida em Fernando de Noronha
Imagem de ação de plantio em projeto de restauração ecológica realizado pela Aguama em colaboração com o ICMBio e a 21K em Fernando de Noronha. Foto: Aguama Ambiental

Felicidade Interna Bruta

O conceito de Felicidade Interna Bruta foi introduzido pelo rei Jigme Singya Wangchuck do Butão, no ano de 1972, em uma tentativa de apresentar uma alternativa mais abrangente ao Produto Interno Bruto (PIB). Embora o índice considere fatores econômicos, ele também leva em conta aspectos como a qualidade de vida, a relação do indivíduo com a natureza, sua comunidade, a conservação ambiental, o desenvolvimento sustentável, a preservação da cultura e a governança.

“Para qualquer pessoa que desenvolve indicadores, é necessário atuar sobre algumas questões. A mais relevante é: o que você deseja valorizar? A valorização é um ato humano que reflete nossas escolhas”, afirmou Karma Ura. Ele explicou que o que realmente representa a sustentabilidade não pode ser determinado apenas por bens materiais ou apegos físicos.

Uma segunda questão a ser considerada é a forma de mensurar o que foi definido como importante. “Vamos considerar o que valorizamos usando o dinheiro como critério, ou vamos incluir aspectos que não estão economicamente quantificáveis?”, questionou.

No âmbito do desafio de mensurar cada dimensão da vida humana, outra pergunta relevante é sobre o que seria a “quantidade” adequada de cada critério analisado e como estas variáveis podem ser escaladas. Após avaliar o que é mensurável em números, como valor econômico, e o que possui outras formas de mensuração, como emoções, é preciso integrar essas informações para que a avaliação alcance consistência.

Crianças felizes no Butão, retrato da felicidade e bem-estar
Foto: Pixabay, retratando a felicidade de crianças no Butão

“Até o ano de 2007, não havia um sistema estatístico em funcionamento para avaliar o índice de felicidade. Precisamos de dados quantitativos e estatísticas confiáveis. Entretanto, a maioria das metodologias empregadas para medir o desenvolvimento, na maioria das nações, exclui o fator humano”, recordou Karma Ura.

O Índice de Felicidade Bruta é formado por um método estruturado, que integra informações tanto objetivas quanto subjetivas. O processo para a criação deste indicador envolve nove domínios, 33 indicadores e 135 variáveis em potencial dentro desse contexto. Quando as respostas consideradas positivas para essas áreas superam 66% do total, o índice de felicidade é considerado satisfatório. Se o resultado ficar abaixo desse percentual, os pesquisadores identificam quais áreas necessitam de mais atenção e investimento.

Todas essas informações são obtidas através de pesquisas realizadas pelo governo, e os resultados moldam a alocação de 65% dos recursos públicos no Butão, bem como a formulação de políticas públicas.

Cenário do Butão, um país que prioriza a felicidade
Foto: Mayukh Karmakar | Unsplash, retrato do Butão

Dentre as informações compartilhadas por Karma Ura, destaca-se que o índice de felicidade no Butão supera o de países com maior renda per capita, como os Estados Unidos. Essa realidade demonstra que a situação econômica não é o único determinante da felicidade, embora Karma Ura reconheça que muitos cidadãos do Butão acreditem que um aumento em seus rendimentos poderia elevar seu bem-estar.

“É evidente que isso ocorre. O dinheiro é uma ferramenta vital em nossa sociedade financeira. O desafio que enfrentamos é encontrar alegria em aspectos que não dependem exclusivamente da riqueza, como o convívio com a família e a comunidade”, enfatizou Karma Ura.

A seguir, veja os nove domínios avaliados pela pesquisa que determina o Índice de Felicidade Interna Bruta no Butão:

  1. Bem-estar
  2. Ecologia
  3. Uso do tempo
  4. Diversidade cultural
  5. Governança
  6. Padrão de vida
  7. Educação
  8. Saúde
  9. Vitalidade da comunidade

“A comunidade é a base do altruísmo e da generosidade. O ser humano se torna completo quando faz parte de uma comunidade”, disse Karma Ura. “O altruísmo começa na família e se expande para a comunidade. Conforme evoluímos, essa generosidade pode se alastrar para o restante da sociedade e para o mundo.”

Avaliação da felicidade em uma nação

Karma Ura também abordou outros índices que medem a felicidade em diferentes nações, como o exemplo da Finlândia, frequentemente citada como a mais feliz do mundo. No entanto, ele argumenta que tais avaliações são superficiais. “Nosso mundo é repleto de realidades e histórias distintas. Precisamos desenhar caminhos alternativos, sendo que muitos aspectos ficam de fora dessas análises”.

Homem feliz na neve, representando emoções positivas
A felicidade abrange a capacidade de superar períodos de sofrimento. Foto: Ugyen Tenzin | Unsplash

Ele destacou que a felicidade não se limita a momentos de prazer, mas inclui a habilidade de enfrentar adversidades. “Aprendemos a cultivar a capacidade de transcender o sofrimento”, explicará ele. A conservação ambiental, uma área avaliável dentro da pesquisa do FIB, também contribui para a saúde mental da população. No Butão, 52% do espaço territorial é composto por unidades de conservação, onde diversas espécies, incluindo a humana, habitam.

“A natureza nos fornece o que necessitamos para a sobrevivência. Ter acesso a ambientes naturais, contemplar a fauna e flora, impacta diretamente a nossa saúde mental. Aprendemos muito sobre a beleza do mundo físico através da natureza e de seus seres vivos. Portanto, é essencial preservá-la”, ensinou Karma Ura.

A gestão do tempo e sua disponibilidade são fatores fundamentais. Por exemplo, é impossível comprar mais de 24 horas em um dia, o que resgata o valor intrínseco desse recurso. A qualidade do descanso, momentos de lazer, alimentação e interação social são igualmente importantes, assim como o tempo dedicado ao sono, que deve ser dividido entre o descanso físico e a fase de sonho, que é crucial para a saúde e a cognição.

Paisagem do Butão, simbolizando a beleza natural
Foto: Prateek Katyal | Unsplash, apresentando a paisagem deslumbrante do Butão

Karma Ura sublinhou a relevância das relações interpessoais. Uma comunidade saudável oferece segurança, vizinhança amigável e conexões afetivas que enriquecem o suporte emocional e o sentimento de pertencimento. “É indispensável que haja interação constante entre os membros de uma comunidade, o que pode ocorrer não apenas por meio de auxílio financeiro, mas também através de diálogos, momentos de lazer ou até mesmo pelo simples compartilhar do tempo. Rir juntos é uma poderosa fonte de união”, comentou Karma Ura.

Entre as emoções observadas na pesquisa, há as positivas (como serenidade, compaixão e generosidade) e as negativas (como raiva, egoísmo e tristeza). Estas emoções compõem o quadro da saúde mental dos indivíduos. As pessoas frequentemente indicam a presença e a frequência dessas emoções em suas vidas. Karma Ura enfatizou que a filosofia budista permeia a avaliação nesse sentido.

Em uma análise das emoções negativas, o especialista também discorreu sobre a ganância, apego e desejo. Contudo, destacou que tais sentimentos se tornam prejudiciais quando limitam a liberdade. Ele observou que essas emoções têm um impacto significativo na história da humanidade. “Aganância, por exemplo, foi legitimada e exacerbada pelo capitalismo ao longo dos séculos, criando uma sociedade desigual e insustentável, uma vez que o acúmulo de riqueza ultrapassa nossas necessidades reais”, afirmou.

Por fim, ele enfatizou a importância de bandear-se de meditação e espiritualidade como ferramentas para lidar com as emoções negativas. Tais práticas podem ser incentivadas por políticas públicas e instituições que buscam promover bem-estar.

Crianças budistas no Butão, simbolizando espiritualidade e harmonia
Foto: Lightscape na Unsplash, representando crianças budistas no Butão.

Múltiplas abordagens podem ser consideradas para a pesquisa que define o Índice de Felicidade Bruta. Existem dois tipos de questionário: um mais conciso e outro mais extenso, que permite abrangências variáveis na mensuração do índice em contextos maiores, por exemplo, em países, e até em escalas menores como cidades, bairros e até mesmo em empresas e comunidades específicas.

Um exemplo de como a felicidade, o bem-estar e outras dimensões subjetivas, mas altamente consistentes, podem ser integrados em contextos sociais, econômicos e empresariais é a experiência de Lívia Azevedo, diretora de Felicidade da Heineken. Ela participou do Fórum de Sustentabilidade e Turismo em Noronha, apresentando uma iniciativa pioneira e inovadora dentro da companhia.

Felicidade no ambiente corporativo

“Estamos trabalhando nesse projeto há um ano e meio, e já observamos resultados significativos”, afirmou Lívia. Para a empresa, as pessoas devem estar no centro das decisões, sempre pautadas pelo respeito e cuidado, valores centrais da organização.

“A felicidade e o bem-estar dos colaboradores são fundamentais para a estratégia da Heineken Brasil”, garantiu. O embasamento para essa escolha é o mesmo que determinou a centralidade da comunidade de Fernando de Noronha no Fórum: quando as pessoas estão bem, isso resulta em bons resultados para todos.

Colaboradores da Heineken participando de plantio comunitário
Funcionários da Heineken se engajam em plantio comunitário em São Paulo. Foto: Fresta Filmes

A jornada de felicidade na Heineken teve início no final de 2022, com um projeto piloto de uma “Pesquisa de Felicidade”, que atualmente ocorre a cada quinze dias com os 14 mil trabalhadores da empresa. A metodologia está alinhada com a Felicidade Interna Bruta mensurada no Butão, abordando emoções, engajamento, relações interpessoais, propósito, realizações e vitalidade.

Os seis pilares que fundamentam a pesquisa são oriundos de uma metodologia chamada PERMA, formulada pelo psicólogo Martin Seligman, o precursor da psicologia positiva. Embora participar da pesquisa não seja obrigatório, a taxa de retorno é de 80%, devido ao envolvimento ativo dos líderes que trabalham junto às equipes para analisar e discutir os resultados: “A felicidade não pode ser discutida sem mencionar a liderança. Na Heineken, temos um programa especial de formação para líderes que aborda a ciência da felicidade e segurança psicológica”, assegurou Lívia.

A segurança psicológica é um caminho que permite que as pessoas se expressem livremente, desenvolvendo assim um senso de pertencimento e maximizando seu potencial.

Palestra sobre o índice de felicidade no Fórum em Noronha
Caio Queiroz, CEO da Aguama Ambiental, Dasho Karma Ura, Lívia Azevedo, diretora de Felicidade do Grupo Heineken, e Vitor Assakawa, coordenador de compliance na Heineken, durante o fórum em Noronha. Foto: Aguama Ambiental

Além dos líderes, existem também os embaixadores da felicidade. Embora a felicidade seja um sentimento universal, poucas pessoas se dedicam a estudar e buscar conhecimento acerca dos caminhos que levam até ela. “Nosso objetivo é disseminar esse conhecimento entre nossos colaboradores. A felicidade deve ser intencional; existe uma série de métodos para assegurar essa realização”, explica a diretora. Este conhecimento está alcançando famílias e comunidades dos embaixadores da felicidade da Heineken.

“É fundamental buscar informação, entender o que a felicidade representa para cada um e quais trajetórias podem ser trilhadas para concretizar essa condição. Francisco é diferenciado: adquirir esse conhecimento e aplicá-lo faz toda a diferença”, concluiu a diretora de Felicidade.

Monjes no Butão, simbolizando paz e reflexão espiritual
Foto: Unma Desai na Unsplash, trazendo à tona a profundidade cultural e espiritual do Butão.

Fonte: Guia Região dos Lagos

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